LAPLANTINE |
Área: antropologia |
Tema(s): método: experiência pessoal de campo; abordagem antropológica; condições sociais do discurso antropológico; observador e objetividade em campo; |
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LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. Tradução Marie-Agnès Chauvel; prefácio Maria Isaura Pereira de Queiroz. São Paulo: Brasiliense, 2007. (Clefs pour L’antrhopologie 1988), pp. 149-173. |
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1 - Uma ruptura metodológica: a
prioridade dada à experiência pessoal do “campo” -
característica da pesquisa antropológica: “... observação direta dos comportamentos sociais a partir de uma relação
humana.” -
a observação do antropólogo é diferente da observação de outras disciplinas:
o antropólogo observa comunicando-se com os homens, partilhando sua
existência de modo durável (Griaule, Leenhart) ou transitório; -
a etnografia procura “... impregnar-se dos temas obsessionais de uma |
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sociedade,
de seus ideais, de suas angústias. O etnógrafo é aquele que deve ser capaz de
viver nele mesmo a tendência principal da cultura que estuda.” -
“Assim, a etnografia é antes a experiência de uma imersão total, consistindo
em uma verdadeira aculturação invertida,
na qual, longe de compreender uma sociedade apenas em suas manifestações
exteriores (Durkheim), devo interiorizá-la nas significações que os próprios
indivíduos atribuem a seus comportamentos.” |
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características da prática etnológica: 1 - distanciamento em relação a seu
objeto; 2 - capacidade de encontrar explicação aos problemas apresentados; 3
- evita seguir uma programação rígida e estrita, em consequência da especificidade do modo de conhecimento que
persegue; |
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2 - Uma inversão temática: o estudo do
infinitamente pequeno e cotidiano -
a história e a sociologia clássica dão prioridade de estudo à sociedade
global, às formas de atividades instituídas, já a abordagem etnológica
privilegia o que estas outras disciplinas deixam como “resíduo”: |
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o
universo microssocial, o pequeno e o cotidiano, as condutas mais habituais,
os gestos mais simples; -
o campo dos etnólogos é o dos grupos de pequenas dimensões; se ele tem que
estudar grandes grupamentos, ele procurará encontrar neles suas unidades
mínimas de organização social; |
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“Em suma, seus objetos de predileção serão os grupos sociais que se situam
mais no exterior da sociedade
global do observador: os que qualificamos de marginais: camponeses, bretões, feiticeiros do Berry, adeptos de
seitas religiosas...” -
sociedades grandes ou pequenas podem ser campo de estudo para o etnólogo: “E
as diferenças entre os modos de vida e de pensamento são tão localizáveis nas
nossas sociedades (constituídas de múltiplos subgrupos extremamente
diversificados, e nos quais várias ideologias estão em concorrência) quanto
nas sociedades qualificadas de ‘tradicionais’.” -
o etnólogo se interessa pela fonte de oralidade, do que não é escrito,
segundo Lévi-Strauss: “...não é tanto porque os povos que estuda são
incapazes de escrever, mas porque aquilo que o interessa é diferente de tudo
que os homens pensam habitualmente fixar na pedra e no papel.” |
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as ciências humanas contemporâneas passam por um período de renovação: elas
vão deixando de se concentrar somente no material teórico de suas análises e
passam a enxergar, através dos vestígios de humanidade presentes neles, o
homem escondido sob as múltiplas maneiras de olhar; -
“Mas é sobre tudo na história, ao meu ver, que assistimos a um deslocamento
radical do campo da curiosidade. Trata-se de ir do público para o privado, do
Estado para o parentesco, dos ‘grandes homens’ para os anônimos, e dos
grandes eventos para a vida cotidiana.” |
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- Uma exigência: o estudo da
totalidade -
um esforço da pesquisa antropológica é tentar levar tudo em conta; -
“escreve Mauss (1960), ‘o homem é indivisível’ e ‘o estudo do concreto’ é ‘o
estudo do completo’.” -
para o antropólogo é problemático especializar-se, |
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pois
ele lança mão de uma série de recursos de outras disciplinas, que são
parciais, e tenta não parcelar sua análise e realizar seu trabalho; “O
parcelamento disciplinar comporta, de fato, no horizonte científico
contemporâneo, um risco essencial: o de um desmantelamento do homem em
produtor, consumidor, cidadão, parente...”, o que leva as ciências humanas a
especializar-se em situações da vida humana; -
a antropologia corre o risco de se perder no esforço da pluridisciplinaridade
e depois costurar os retalhos recortados; “Pessoalmente, a antropologia me
parece ser o antídoto não filosófico de uma concepção tayloriana da pesquisa,
que consiste em: 1) cumprir sempre a mesma tarefa, ser o espe- |
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cialista
de uma única área; 2) tentar, de uma maneira pragmática, modificar, ou até
transformar os fenômenos que se estuda. O drama das ciências humanas
contemporâneas é a fratura entre uma atitude extremamente reflexiva (a da
filosofia ou da moral), mas que corre o risco de cair no vazio, dada a fraca
positividade de seus objetos de investigação, e uma cientificidade
extremamente positiva, mas pouco reflexiva, por estar baseada no parcelamento
de territórios e, voltarmos a isso, sobre uma forma de objetividade que as
próprias ciências exatas descartaram há muito tempo.” -
“A prática da antropologia finalmente, baseada sobre uma extrema proximidade
da realidade social estudada, supõe também, paradoxalmente, um grande distanciamento
(em relação à sociedade à qual pertenço).” |
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“Se olharmos mais de perto, esta última disciplina [a filosofia] não é mais
hoje um pensamento da totalidade dando-se como objetivo compreender os
múltiplos aspectos do homem. Como escreve Lévi-Strauss, apenas três formas de
pensamento são, no mundo contemporâneo, capazes de responder a essa
definição: o islamismo, o marxismo e a antropologia.” |
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4 - Uma abordagem: a análise
comparativa -
a problemática maior da antropologia é a da diferença, o que pede uma descentração radical do observador e de
sua sociedade em relação à sociedade que observa; -
o antropólogo precisa dissimulada ou deliberadamente romper o estado de
etnocentrismo; -
quando olhamos uma sociedade e a comparamos com a nossa, somos capazes de
visualizar aquilo que não suspeitávamos em nós; exemplos: a ênfase de
saudação ao pai da criança e a couvade, |
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a
inauguração de um edifício e os rituais tradicionais de apropriação de um
espaço; -
a abordagem comparativa, se confunde com a própria antropologia, é bastante
ambiciosa; |
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uma forma de comparatismo: o evolucionismo: “... ordena fatos colhidos dentro
de um discurso que se apresenta como histórico.” -
se o objetivo da antropologia cultural é comparar os comportamentos humanos
em sua diversidade, em áreas geográficas diferentes, não se atendo ao tempo,
mas sim à extensão no espaço, a irredutibilidade de cada cultura impede a
comparação; -
o que interessa ao antropólogo são as variações da cultura, mas ele tem que considerar
que estas variações devem obedecer certo número de invariações, pois é daí
que ele pode estabelecer relações |
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e
efetuar seu trabalho de comparação; -
o antropólogo nunca pode perder de vista a consideração de que a humanidade é
“plural”; -
a análise comparativa não é o primeiro instrumento de trabalho do
antropólogo, ele se serve antes da coleta de dados e da descrição etnográfica
e depois passa à análise lógica da sociedade que estuda, etnologia; depois
disto é que “... poderá interrogar-se sobre a lógica das variações da cultura
(antropologia)”. |
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na atualidade, o trabalho de análise comparativa se concentra nos costumes,
comportamentos, instituições inseridos em seu contexto, fazendo parte de um sistema de relação; -
a tarefa passa pela descrição etnográfica, pela análise etnológica até se
descobrir o que Lévi-Strauss denomina “estrutura inconsciente”, o que é
sempre variável de um grupo a outro; -
a análise comparativa não estuda fatos empíricos em si, mas os sistemas de
relações construídos pelo pesquisador como “... hipóteses operatórias, a
partir destes fatos. Em suma, |
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as diferenças nunca são dadas, são colhidas pelo etnólogo, confrontadas umas
com as outras, e aquilo que é finalmente comparado é o sistema das diferenças,
isto é, dos conjuntos estruturados.” |
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5 - As condições de produção social do
discurso antropológico -
“A antropologia nunca existe em estado puro.” - ela não pode ser isolada de
seu contexto; -
toda análise antropológica é situada: “Seu atestado de nascimento inscreve-se
em uma determina época e cultura. Em seguida, transforma-se, em contato com
as grandes mudanças sociais que se produzem, e se torna, um século depois,
praticamente irreconhecível.” |
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exemplos: a antropologia evolucionista tendia a justificar as práticas
colonizadoras civilizatórias da época vitoriana, já a antropologia
norteamericana é notadamente anticolonialista: os Estados Unidos nunca
tiveram colônias, só minorias étnicas, e são formados por uma pluralidade de
culturas; -
“Esses exemplos bastam para nos convencer de que a antropologia é o estudo do
social em condições históricas e
culturais determinadas.” -
toda observação é determinada por um contexto social; |
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“Nosso pertencer e nossa implicação social, longe de ser um obstáculo ao
conhecimento científico, podem pelo contrário, a meu ver, ser considerados
como um instrumento. Permitem colocar as questões que não se colocavam em
outra época, variar as perspectivas, estudar objetos novos.” |
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6 - O observador, parte integrante do
objeto de estudo -
o antropólogo pode pretender uma “neutralidade” de observação em campo,
pensando assim colher dados “objetivos”, sem marcas pessoais, mas agindo
assim ele corre o risco de afastar-se da objetividade característica da
antropologia; -
insistir neste modelo é sinal de insuficiência da própria prática, pois o
antropólogo não pode esquecer-se do estudo da totalidade, que exige uma
integração social do observador com o observado; -
é possível somente distinguir
observador e observado, mas não dissociá-los:
“Nunca somos testemunhas objetivas observando objetos, e sim sujeitos
observando outros |
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sujeitos.” -
qualquer situação criada pelo antropólogo, no grupo que ele observa, causará
uma perturbação no grupo, o que acabará por perturbar a ele mesmo; -
a análise do antropólogo deve também levar em conta as “... motivações
extracientíficas dos observador e da natureza da interação em jogo.”, visto
que no estudo da antropologia, os antropólogos são observadores de si mesmos; -
há fatos que causam estranheza ao antropólogo: exemplo: a hajba (em árabe: claustração,
trancamento) Tunísia - ritual de fechamento da noiva, isolamento do universo
masculino, tratamento de beleza e alimentação... |
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...
a facilidade de alguns homens e mulheres no Brasil de entrar em transe e se
comunicar com entidades ancestrais e espirituais... são situações nas quais o
antropólogo põe em cheque os próprios valores culturais e se pergunta sempre
sobre a origem de seus julgamentos; -
o modelo de observação “objetivista” provém da física |
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de
até final do séc. XIX, mas já foi abandonado pelos físicos: “É a crença de
que é possível recortar objetos, isolá-los, e objetivar um campo de estudo do qual o observador estaria
ausente, ou pelo menos substituível.” -
“Ora, uma das tendências das ciências humanas contemporâneas é eliminar
duplamente o sujeito: os atores sociais são objetivados, e os observadores
estão ausentes ou, pelo menos, dissimulados. Essa eliminação encontra sempre
sua justificação na ideia de que o sujeito seria um resíduo não assimilável a
um modo de racionalidade que obedeça aos critérios da ‘objetividade’, ou,
como diz Lévi-Strauss, de que a consciência seria a ‘inimiga secreta das
ciências do homem’.” -
a física moderna reverte este modelo: “Heisenberg mostrou que não se podia observar
um elétron sem criar uma situação que o modifica. Disso tirou (em 1927) seu
famoso ‘princípio da incerteza’, que o levou a reintroduzir o físico na
própria experiência da observação física.” -
é com Devereux (em 1938) que este princípio será aplicado também à etnologia:
o antropólogo perturba o sujeito e o ambiente que observa, mas também sofre
os efeitos desta perturbação, este efeito não é mais considerado como |
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obstáculo a ser neutralizado, mas como uma grande fonte de conhecimento; -
“A análise, não apenas das reações dos outros à presença deste [do etnólogo],
mas também de suas reações às reações dos outros, é o próprio instrumento
capaz de fornecer à nossa disciplina vantagens científicas consideráveis,
desde que se saiba aproveitá-lo.” |
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