quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

CODO, Wanderley. "Afeto e trabalho"

 

CODO

Área: psicologia, filosofia, antropologia, sociologia;

Tema(s): indivíduo, trabalho, afeto;

 

CODO, Wanderley et al. Indivíduo, trabalho e sofrimento: uma abordagem interdisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1993, pp. 187-206. (Cap. 11 - Afeto e trabalho).

 

p. 187

- Cap. 11 - Afeto e trabalho

- “A nossa casa esta repleta de fantasmas”. - todo objeto traz um pouco da presença da pessoa que o fez e do momento histórico quando foi construído;

- “Objeto por objeto traz a carga inexorável da história”: quando um relacionamento se estabelece vai contaminando, busca contaminar as coisas em torno; e o rompimento do relacionamento sempre pede a mudança das coisas, da casa ou mudança de casa;

p. 188

- cada coisa recebe um significado transposto do eu: fusão de objetividade e subjetividade

- isto é diferente do fetichismo de Marx, para quem o indivíduo se torna coisa;

- no caso deste texto o indivíduo “imanta o mundo com os seus afetos, aqui o que está em discussão é o velho metabolismo homem-natureza...”

- “... toda atividade humana está condenada à mediação”; é objetiva, subjetiva e transubjetiva;

p. 189

- a nossa relação como mundo é sempre mediada pela simbolização - sentido atribuído (como afetamos o mundo)

- como isto se dá no trabalho?

- “Qualquer que seja o modo de produção ou a tarefa, existe sempre uma transparência de subjetividade ao produto: trabalhar e impor à natureza a nossa face, o mundo fica mais parecido

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conosco e, portanto, nossa subjetividade depositada ali, fora de nós, nos representando.”

- a descrição de um povo ou de um país é a descrição de seu trabalho: a arquitetura, a cultura, a alimentação;

- trabalho gratificante ---> leva à paixão pelo produto;

- trabalho obrigado ---> leva à raiva do produto;

- Na história: 3 momentos da relação afeto-trabalho:

- 1 - “Originalmente encontramos a fusão entre afeto e trabalho”: lanças personalizadas enterradas com o dono - Marx: “trabalho genérico, o metabolismo entre homem e a natureza” (Cap. V de O Capital);

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- amálgama entre eu-outro-mundo

- metabolismo homem-natureza - Jeness - relato dos indígenas: aprender com os animais;

- 2 - depois da escravidão - o centro da dinâmica do trabalho é definido pelo ou-

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tro: “Os afetos se anulam ao se reapresentarem com a face do senhor”.

- o que sou e faço é definido pelo outro: patrão, marido, a família...

- nestes dois momentos: “não havia ruptura entre o produto e o produtor do trabalho, não havia alienação”

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- 3 - cisão entre afeto e trabalho - depois do capitalismo: “ruptura entre a produção da existência e a reprodução da vida”: universos distantes: a fábrica e o lar;

- a separação do produtor de seu produto torna os trabalhos diferentes, portadores de subjetividades diferentes, em iguais ---> uma mercadoria no meio das outras; o trabalho vira força de trabalho e a subjetividade do indivíduo fica impedida de afetar seu produto, empurrando para fora da fábrica, para o lar;

- esta dissociação elimina o afeto do e no trabalho: “... o melhor trabalho é o que se torna capaz de eliminar a marca pessoal do trabalhador: o gesto perdeu o estilo.”

- entretanto a relação de metabolismo entre o homem e a sua atividade não desaparece por completo: “... e por isso o demiurgo do sincretismo entre a objetividade e a subjetividade: através dele o homem realiza no mundo sua transcendência e realiza a si mesmo pelas mesmas vias, se conforma

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na medida em que transforma o universo, se confirma na medida em que se exerce.”

- se o trabalho permanecer centrado no trabalhador, a relação de trabalho e identidade permanece e o que se busca é a reafetivação através da luta cotidiana;

1 - “Nas fofocas e ironias distribuídas na hora do cafezinho, repouso do trabalho, espaço para a reconquista da individualidade.”

2 - “O privilégio de distribuir marcas pessoais pelo trabalho passa a corresponder, com raras exceções, a uma disposição hierárquica.” - personalização do espaço de trabalho - para revesti-lo da familiaridade cotidiana;

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- 3 - “Quanto mais o trabalho se afasta do seu espaço genérico, do metabolismo entre homem e natureza, quanto menos o trabalhador tem acesso psicológico ao produto do seu trabalho, mais se desenvolvem vias ‘deslocadas’, canais imediatos para a expressão afetiva da tensão cotidiana, a tensão permanece e o afeto explode, a sedução generosamente distribuída nas relações interpessoais ou a intriga farta pelos bares depois do expediente, a afetividade usurpada do trabalho regurgita com a mesma força nas relações sociais de produção, imantando estas últimas com uma carga afetiva particular que compõem a rotina do trabalhador.”

- a mesma luta por ascensão profissional irá acontecer no plano afetivo: “...luta pelo poder de si e do outro, constituindo-se em ‘armas secretas’ não previstas no organograma.” - o jogo de sedução é mais acirrado nos ambientes de serviços que nos ambientes de produção de bens;

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- os afetos movem-se num território de clandestinidade;

- “Neste sentido, estamos diante de uma contradição: sob o capital, o trabalho reaparece duplo, ainda conformador da inter-relação entre objetividade e subjetividade, constituinte da identidade; ao mesmo tempo e antagonicamente revela uma face alienada, transformada em força de trabalho, plasmando as diferenças que ele mesmo inventou, agindo como agente indiferenciador perante o mercado.’

- estudo de caso: trabalho e saúde mental dos bancários - “Como seu objeto de trabalho são as relações humanas e seu produto é abstrato, a única opção que sobra é a afetivação das próprias relações humanas.”

p. 197

- a prestação de serviços é diferenciada pela relação de amizade ou não que se estabelece entre as partes; criam-se redes de relações marcadas pelo popular “QI”: quem indica;

p. 198

- “Mesmo que imaginária, a sedução circula abertamente em paralelo com as relações hierárquicas”.

- o desenvolvimento das relações segue a regra da fragmentação horizontal da tarefa;

- a simplificação da hierarquia dependerá da constância da produção;

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- em ambientes como o banco, onde há uma intensa flutuação do mercado, a divisão transversal do trabalho é mais acentuada: há maior delegação e distribuição de decisões entre seus membros - por um lado há a reapropriação do gesto individualizado perdido na linha de produção, e por outro há a perda dele nas relações hostis entre chefes e na criação de novos departamentos;

- “A lida cotidiana com decisões arquiteta uma generosa rede afetiva que necessariamente tem que funcionar como uma segunda moeda corrente nas relações de trabalho. Desembocamos no reconhecimento da carga afetiva que uma decisão necessariamente envolve.”

p. 200

“O sorriso protocolar do bancário é carregado necessariamente desta ambigüidade: por um lado, uma subordinação extra; por outro, a esperança de submeter quem decide.”

- como o processo de decisão é carregado de emoção (cfr.: estudos motivacionais, Festinger - teo-

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ria da Dissonância Cognitiva) “... ao reconhecer uma estrutura de tomada de decisão dentro do banco, estamos fatalmente identificando a via por onde o afeto se apresenta.”

- segue relato do caso do funcionário B.: queixa: impotência situacional, posterior a um adultério;

p. 202

- B. era um funcionário tranquilo, avesso ao bar depois do expediente e às fofocas, dedicado, subiu logo de posto, sem envolvimento com sindicato, política ou hobby expressivo; rotina: casa-trabalho, trabalho-casa; ascensão de trabalho prevista, mas não concretizada;

p. 203

- gafe embriagado na festa de confraternização de trabalho: sofre calado; relação extraconjugal e impotência, relacionamento afetivo familiar abalado;

p. 204

- no seguimento do caso a situação de B. se encaminha para a solução à medida que se identificam os fatores situacionais do trabalho que impedem a manifestação de suas emoções no trabalho e o encontro de canais para sua expressão: as conversas com o grupo de pesquisa (semi-terapia), o acerto afetivo com a esposa e o posterior abandono à amante, a possibilidade de resgate de raízes com a compra de terras para administrar, com o consentimento da família;

p. 205

- sobre o caso de B.: “Entre a impossibilidade formal de expressão do afeto e o caráter necessariamente afetivo, o trabalho escolhe a via da ruptura: lugar do afeto é em casa, sitiado na reprodução da força de trabalho; família, mulher e filhos. Com isto, é muito comum que a afetividade tome o caminho regressivo; deslocada do trabalho, volte a se depositar nos relacionamentos primários, freqüentemente na órbita sexual.”

- cada situação laboral e organizacional e as variáveis de relações sociais e culturais redesenham as possibilidades e impossibilidades de manifestação [repressão] das emoções;

- “Como regra geral, exatamente ao contrário do que Freud dizia, não se trata de o envolvimento no trabalho significar uma sublimação de necessidades sexuais mal satisfeitas, mas sim da impossibilidade de satisfação emocional afetiva no trabalho inventar uma sexualidade onipresente, convertida em única forma de expressão de si.”

p. 206

- “O trabalho, quanto mais vazio, mais constrói a teoria da pansexualidade, ressuscita Freud com o auxílio dos psicólogos e psiquiatras, que, como Taylor e Ford, não sabem enxergar o trabalho como ato humano, além e acima da mercadoria, da alienação.”

 

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