quarta-feira, 10 de janeiro de 2024

NOGARE, Pedro Dalle. "Humanismo e técnica"

 

NOGARE

Área: filosofia, antropologia filosófica;

Tema(s): humanismo, tecnologia, ciência, impacto humano e social;

 

NOGARE, Pedro Dalle. Humanismos e anti-humanismo: introdução à antropologia filosófica. 8a. ed. Petrópolis: Vozes, 1983. (Parte III - Situação dos humanismos hoje, cap. XV - “Humanismo e técnica”, p. 215-226)

 

p. 215

- O grande salto qualitativo no desenvolvimento da técnica

- técnica e ciência: interdependentes;

- a técnica: universo do fazer, guiado por um conjunto de normas que guiam a ação, para atingir uma finalidade: “domínio do homem sobre a natureza” - através de técnicas de produção: técnicas agrícolas, industriais, automotivas, cibernéticas...

- a ciência: universo do saber

- para Marx o indivíduo se separa do animal quando começa a produzir instrumentos de trabalho, citando B Franklin: o homem é toolmaking animal;

p. 216

- para Aristóteles e Sto. Tomás de Aquino a diferença entre homem e animais está em que o homem nasce sem proteções: couro, garras etc., mas nasce com inteligência e com mãos, que são os “instrumentos dos instrumentos”;

- para o evolucionismo: a inteligência é mais importante, o resto é consequência; há que se destacar a invenção da linguagem e a descoberta do fogo (APUD - DARWIN, A origem do homem);

- a presença de instrumentos junto aos fósseis ajuda os antropólogos a distinguir se os restos são de antropóides ou de homo sapiens;

p. 217

- a técnica se mistura com a definição de homem

- mas ao longo do séc. XX muitos intelectuais se levantaram contra a técnica e a previsão futurista apregoava uma sociedade humana dominada pelas máquinas;

- a reviravolta: até 1750: não contamos uma dúzia de descobertas técnicas; depois disso, o avanço é vertiginoso na física atômica, na bioquímica, na astrofísica;

p. 218

- após o séc. XVIII, somando-se à RI, uma avalanche de invenções e inovações trocou o instrumento do trabalho humano pela máquina: “Não é mais o instrumento o apêndice do homem: é  homem que se torna apêndice da máquina”;

- Influências da técnica na mentalidade e na praxe humana

- princípio geral: “... o homem cria o ambiente e o ambiente cria o homem”;

- a técnica acaba por sobrepor-se à natureza autêntica do homem e se manifesta como: racionalismo e instrumentalismo, materialismo e utilitarismo;

- às vésperas da II G. Guerra, Hurssel publica:

p. 219

“A crise das ciências européias e a fenomenologia transcendental”: a sociedade ocidental está em crise da filosofia e das ciências, e beira a barbárie e a morte;

- para Hurssel um certo tipo de racionalismo é que corrói por dentro o progresso da técnica acabando com o homem e com a história;

- é após G. Galilei que a ciência surge como moderna e se serve da linguagem matemática como meio para explicação do mundo;

p. 220

- o perigoso para as ciências humanas é a ânsia de entender o homem através de métodos matemáticos e quantitativos;

p. 221

- “O técnico, mais do que o cientista, vê tudo sob o aspecto da utilidade. Num certo sentido, criar utilidades é a própria função da técnica. O perigo está em que a procura destas utilidades, guiada unicamente pelo critério de ‘quanto mais tanto melhor’, acabe não ajudando mas prejudicando o homem.”

- fórmula do homem contemporâneo: Homem = produção = $; o homem vale não pelo que é, mas pelo que produz e pelo dinheiro que tem; (nota - Sófocles - sobre o dinheiro - Antígona);

p. 222

- a introdução do dinheiro no convívio humano seria como um pecado original da humanidade;

- “A fome de dinheiro perverte o homem”, torna-o capaz de trair a própria consciência;

- a preocupação como “ter” apaga a preocupação com o “ser”, que era uma preocupação das sociedades pré-tecnológicas;

- “Um exemplo concreto: a desvalorização e o descaso quase universal - também e sobretudo nas universidades - pelas ciências humanas, que visam justamente o ‘ser’ do homem, e o culto das ciências exatas e tecnológicas, voltadas exclusivamente para a produção de bens e comodidades”.

p. 223

- O feitiço ameaça o feiticeiro

- a maior ameaça da técnica pode acontecer quando ela se volta à natureza do próprio homem;

- algumas técnicas têm efeito positivo sobre o homem, outras não; e muitas vezes o homem não é capaz de uma nova tecnologia para neutralizar os efeitos negativos de outra;

- citação de W. Heisenberg: livro “A imagem da natureza na física moderna”: “... o homem pode fazer o que quiser, mas não pode querer o que quiser” p. 17;

p. 224

- citando J. Ellul - o homem passa a participar menos do processo de desenvolvimento de algumas tecnologias, pois elas passam a bastar-se a si mesmas, até mesmo contra o vontade do homem;

- a despeito da moral, da religião, a pesquisa nuclear, genética, de engenharia psicológica, seguirá até o fim, sob uma “dialética interna à própria pesquisa e técnica”, pois não consegue parar no meio do caminho;

- há sempre o perigo de um acidente nuclear;

p. 225

- enfrentamos o problema do lixo nuclear: algumas substâncias permanecem ativas por até 25.000 anos;

- nota sobre a instauração de um novo processo contra Galileu: levados pela palavras de Hurssel, alguns cientistas e filósofos quiseram abrir um processo científico, e não judicial, contra Galileu;

- defesas:    - a) como processar alguém por dizer e defender a verdade?

   - b) ele não afirmou que toda a realidade se reduziria à matemática, ele era um homem religioso;

p. 226

   - c) os pseudo-galileanos é que são culpados, pois extrapolaram as premissa de Galileu e reduziram todo saber à matemática e à geometria, negando outros tipos de saberes;

 

MELLO, Luiz Gonzaga de. "História da Antropologia"

 

MELLO

Área: antropologia cultural

Tema(s): história da antropologia; fases, representantes e correntes

 

MELLO, Luiz Gonzaga de. Antropologia cultural: iniciação, teoria e temas. 15a. ed. Petrópolis: Vozes, 2008, p, 177-197. (Cap. V - Part 2 - História da Antropologia) 528p. 1a. ed. 1982

 

 

p. 177

2 - História da Antropologia

- este capítulo trata de um modo sumário a história da antropologia

- a história da antropologia é ≠ da antropologia da história

- objetivo: estudar a antropologia como fato histórico, como “...atitude humana localizada no tempo e no espaço com um mínimo de sistematização”

p. 178

- o autor segue a divisão metódica: 3 níveis de análise de Pareto:

   1 - o aspecto objetivo: consistência das orientações teóricas e sua legitimidade metodológica

   2 - o subjetivo: motivos que determinam a escolha teórica dos autores e seu êxito ou fracasso

   3 - a utilidade: “...orientação teórica em razão de sua possível aplicação”

p. 179

- divisão da história da antropologia:

   - Paul Mercier: 4 fases: a pré-história (...-1835), ambições (1835-1900), descobertas (1900--1930) e conquistas (1930-...);

   - T. K. Penniman: 4 fases: período de formação (...-1835), período de convergência (1835-1869), período de construção (1869-1900) e período de crítica (1900-...), [é o que Mello segue]

- a antropologia, como  as outras ciências, não tem data exata de nascimento: “A ciência não nasce de um dia para o outro. Trata-se de um processo lento que implica em criação, acumulação e reformulação de conhecimentos”.

- pais da antropologia: Heródoto (480 ou 425-499 a.C.) [sic]

p. 180

- Edward B. Tylor (1832-1917) ou Friederich Blumenbach (1752-1842)

- finalidade do histórico da antropologia: ajudar a compreender o seu alcance

 

2.1 - Período de formação (... - 1835)

- conforme Mercier, a pré-história da antropologia “Diz respeito a toda reflexão do homem sobre si mesmo e sobre o universo que o cerca”. [consciência de si <--> consciência do mundo / antropologia <--> cosmovisão]

- o aspecto sociocultural (organização social, a cultura) pode ser visto como uma expressão da visão antropológica das sociedades, das primitivas às avançadas

p. 181

- os objetos, instrumentos e demais manifestações culturais contribuem à formação de uma visão antropológica

- os povos antigos legaram parte de seus avanços a nós, muito se perdeu porque o acesso à escrita era limitado;

p. 182

- narração de Heródoto sobre a experiência encomendada por Psamético, príncipe egípcio, para saber que povo era o mais antigo [lembra o “Emílio”, “Kasper Hauser”]

- duas crianças, uma egípcia e outra frígia, são cuidadas por um pastor isoladas do grupo e no silêncio, para ver qual a palavra original a ser pronunciada; e a palavra foi becos

p. 183

que em frígio, e não em egípcio, quer dizer pão;

- os romanos também contribuíram: de Lucrécio temos relatos do homem primitivo e suas ferramentas rudimentares, a divisão idade da pedra, do bronze e do ferro;

p. 184

- contribuições da Idade Média: Agostinho - “Cidade de Deus”; Avicena -  um dos fundadores da medicina moderna; Averróis - evolucionista, leitor árabe de Aristóteles; Bacon - “A nova Atlântida”, sociedade utópica voltada para a ciência, estudo crítico e experimentação;

p. 185

- toda época tem sua contribuição;

- as intervenções humanas vão melhorando a qualidade de vida e o homem progride - ex.: escrita: documentação de ideias, aumento da transmissão em tempo e espaço; a navegação...

p. 186

-  séc. XVIII - prepara o Iluminismo; crescente antropocentrismo; culto à razão

- antes: a realidade humana era explicada pela cosmologia e pela cosmovisão

- no iluminismo: inversão: o universo passa a ser explicado pela compreensão da realidade humana;

- “O homem já não era visto com objeto da história - cumpridor dos desígnios de Deus - mas como agente e autor da história”.

p. 187

- fase de avanço e acesso do conhecimento científico (tipografia); avanço do método experimental e da indução;

- na antropologia:

   - a) grande desenvolvimento da antropologia cultural

   - b) sistematização da antropologia física

   - c) surgem a pré-história e a arqueologia

- a expansão marítima européia do séc. XVI trouxe à tona a presença de outros povos e os missionários e conquistadores produziram fartos relatórios sobre outros “homens” (aborígines; teoria monogenista é posta em dúvida)

p. 188

- no séc. XVIII - há uma maior organização de viagens e expedições investigativas;

p. 189

- o fato de aproveitar toda viagem para coletar dados etnográficos [o filme “Mestre dos mares” ilustra este fato] incentivou a publicação do guia “L’introduction géneral aux voyageurs, pela sociedade Etnológica de Paris, fundada em 1839”.

- a antropologia física também avança nesta época

- precursores: “...Leonardo da Vinci (1452-1518) com seus estudos da morfologia do corpo humano; Albrecht Dürer (1471-1528) com os estudos das medidas cranianas; Vessalius (1514-1564) com suas lições de anatomia. Não menos importantes são os nomes de Bodin, Belon, Fabrizio, Spiegel, Lineu etc. A Lineu pertence uma das mais antigas classificações das raças humanas: o Homo ferus, o Homo americanus, o Homo europeus, o Homo asiaticus, o Homo faber e o Homo monstruosus (século XVIII)”.

p. 190

- no séc. XIX, década de 30: achados mais antigos do homem fóssil;

 

2.2 - Período de Convergência

p. 191

- Boucher Perthes - 1838 - primeiro a colocar em discussão o problema da evolução da humanidade

- F. Boas - 1896 - “The Limitations of Comparative Method in Anthropology” - primeira contestação mais rígida aos métodos evolucionistas de muitos antropólogos e tentativa de definir métodos mais realistas e seguros na abordagem dos fatos sócio-culturais;

- este período de convergência é marcado:

   - pelas várias definições sobre sociedade e cultura, que surgem na Europa XVIII-XIX;

   - pelo surgimento de várias revistas e associações científicas;

p. 192

- o cunho humanístico destas associações se deve ao anseio de proteger os povos primitivos da espoliação européia

- é dessa época a ideia de que o antropólogo de campo é visto como  um “amigo” dos povos primitivos;

- a preocupação com a manutenção das formas primitivas de vida podem refletir também o desejo de conservar o objeto de estudo;

 

2.3 - Período de construção

- marco importante deste período - Charles Darwin - 1859 - “Origens das espécies”, obra clássica sobre a evolução biológica

- fundador da moderna antropologia: Edward Tylor, também evolucionista

p. 193

- Tylor - 1871 - “Cultura Primitiva” - marco inicial para a antropologia cultural; “Aí o autor procura, com a utilização do método comparativo, mostrar a evolução pela qual passou a religião através dos tempos”.

- Lewis Morgan - “A Sociedade Primitiva” - “Este procurou estabelecer o caminho seguido pela organização familiar através dos vários estágios de desenvolvimento”.

- nomes importantes deste período: “...Batian, com sua teoria das ideias elementares; Bachofen, jurista suiço, que estudou a mitologia clássica e defendeu uma evolução na organização social que, segundo ele, logo após o regime de promiscuidade teria existido o matriarcado, uma espécie de ginogracia; Sumner Maine, também jurista, via na família patriarcal a unidade básica da organização social; McLennan desenvolveu a noção de paralelismo e procurou interpretar vários costumes primitivos; Edward Tylor, citado acima, é o nome mais importante para a antropologia cultural, porquanto foi ele que definiu o termo ‘cultura’ e apresentou-a como objeto da antropologia, estudou o fenômeno religioso, mas dedicou-se a todo o objeto da antropologia dando-lhe uma sistematização tanto no seu objeto como no seu método:[sic] Lewis Morgan também merece realce. É dele o clássico esquema da evolução cultural (selvageria, barbárie e civilização); igualmente muito importante é o nome de Frazer, que também se dedicou ao estudo do fenômeno religioso”.

- crítica feita ao evolucionismo: ausência de pesquisa de campo, lacuna resolvida pela arqueologia e paleontologia;

p. 194

- descobertas importantes da arqueologia e paleontologia: “...os homens fósseis, Cro-Magnon e o Pithecanthropus erectus”.

 

2.4 - Período de crítica

- período desde 1900 até hoje: crítica aos cânones inicias da antropologia, novas abordagens, avanço das ciências afins, os meios de comunicação permitiram maior divulgação de ideias, democratização da educação, crescimento do movimento universitário, antropologia inserida em muitos currículos (Univ. Liverpool: introdução da primeira cátedra de antropologia social na Grã-Bretanha)

p. 195

- no início do séc. XX temia-se que o desaparecimento dos povos primitivos levasse consigo a antropologia

- o que ocorreu foi a mudança metodológica: do imperialismo e colonialismo europeu para o nacionalismo africano, latino-americano...

- “A preocupação com o desaparecimento dos povos primitivos levou uma parcela dos estudiosos a se emprenhar numa tarefa, aparentemente de menor importância, de coletar e registrar dados sem uma maior preocupação teórica. Esse trabalho é conhecido com etnografia - a descrição dos costumes dos povos”.

- contudo, a etnografia não pode prescindir da sistematização teórica, ele necessita da compreensão do fenômeno cultural, uma teoria a respeito da cultura, que tem em Franz Boas uma referência;

p. 196

- nos EUA a antropologia encontra uma outra orientação, a psicológica, houve também os estudos da linguística

- na Europa: Malinowski “Foi  certamente o maior e o mais metódico pesquisador de campo”.

- Na Inglaterra a pesquisa de campo “...era com que o coroamento da formação do antropólogo’.

- nomes importantes: Malinowski - funcionalismo; Radclife-Brown, funcionalismo, criador do estruturalismo inglês; Lévi-Strauss, estruturalismo, marcado por uma teoria bem formulada, mas deficiente na metodologia de pesquisa de campo;

- nos países de Terceiro Mundo o que se espera é o

p. 197

reflorescimento dos estudos sobre a aculturação, que desemboque no surgimento da antropologia urbana, da cultura de massa;

- “Não menos importante deverão ser os estudos a respeito da cultura popular, do folclore e dos efeitos da urbanização ‘patógena’ sobre as manifestações dessa cultura”.

 

MELLO, Luiz Gonzaga de. "História da Antropologia"

 

MELLO, Luiz Gonzaga de. Antropologia cultural: iniciação, teoria e temas. 15a. ed. Petrópolis: Vozes, 2008, p, 177-197.

 

                História da Antropologia

 

                Nosso objetivo ao estudar a história da antropologia é mostrar como esta disciplina se desenvolveu ao longo do tempo, até chegar até nós. O conhecimento dos fatos históricos do passado da antropologia podem nos ajudar a entender a “utilidade” desta ciência. A finalidade de conhecer o histórico da antropologia é ajudar a compreender o seu alcance

                Mello (2008, p. 178), seguindo a divisão de Pareto, apresenta os níveis sob os quais o estudo da antropologia é feito: 1 - o aspecto objetivo: busca saber a consistência das orientações teóricas empregadas na antropologia e se o método usado é legítimo; 2 - o aspecto subjetivo: os motivos que levam os autores a fazer escolhas por teorias e seu êxito ou fracasso; e 3 - o aspecto da utilidade: a orientação teórica que nos permite perceber a aplicação da antropologia em outras dimensões de nosso cotidiano.

                Mello irá contar a história da antropologia dividida em quatro momentos, seguindo a divisão de T. K. Penniman: período de formação (...-1835), período de convergência (1835-1869), período de construção (1869-1900) e período de crítica (1900-...). É importante saber que a antropologia, como as outras ciências, não tem data exata de nascimento: “A ciência não nasce de um dia para o outro. Trata-se de um processo lento que implica em criação, acumulação e reformulação de conhecimentos” (MELLO 2008, p. 179). Heródoto (480 ou 425-499 a.C.) [sic], Edward B. Tylor (1832-1917) ou Friederich Blumenbach (1752-1842), Boas ou Malinowski, podem ser apontados como pais da antropologia, sob diferentes aspectos.

 

                Período de formação (... - 1835)

 

                Este momento pode ser traçado desde a primitividade humana até os primeiros trinta anos do século XIX. A discussão vai desde a pré-história da humanidade até as elaboradas teorias sobre a evolução humana do final do primeiro milênio da humanidade ocidental.

                O período do estudo da pré-história da humanidade corresponde ao estudo dos primeiros hominídeos, sua relação com o mundo, sua capacidade de organização social, seus instrumentos de trabalho e caça e o aprendizado que eles nos legaram como herança. Parte do que somos hoje é resultado da sobrevivência de nossos ancestrais. O domínio da agricultura, por exemplo, foi fundamental para a sobrevivência dos povos antigos, assim como é fundamental para nós até hoje.

                Um dos relatos mais antigos sobre a curiosidade humana em saber sua origem é a experiência encomendada pelo príncipe egípcio Psamético. Heródoto narra esta experiência: duas crianças, uma egípcia e outra frígia, são cuidadas por um pastor isoladas do grupo e no silêncio, para ver qual a palavra original a ser pronunciada; e a palavra foi becos, que em frígio, e não em egípcio, quer dizer pão. A tentativa era saber quem era o povo mais antigo. E o resultado não alegrou Psamético. Outras contribuições foram a divisão de Lucrécio: idade da pedra, do bronze e do ferro; as investigações no terreno da filosofia e teologia de Agostinho, Averróis, Bacon, e Avicena, um dos fundadores da medicina moderna.

                A mudança do paradigma teocêntrico para o antropocêntrico também é marcante neste período, juntamente com a invenção da imprensa tipográfica de Gutemberg (1455), o que, juntamente com a navegação, permitiu o aumento da transmissão de informações. Este é um período no qual o homem se sente senhor da sua história e começa a andar por novos caminhos, que desembocarão no Iluminismo e na ciência moderna.

                Vamos ter o grande desenvolvimento da antropologia cultural, a sistematização da antropologia física, o surgimento da pré-história e da arqueologia. A expansão marítima européia do séc. XVI trouxe à tona a presença de outros povos e os missionários e conquistadores produziram fartos relatórios sobre outros “homens” (aborígines; teoria monogenista, de que o homem teria uma origem única, é posta em dúvida). Algumas viagens marítimas também eram aproveitadas para levar pessoas para coletar dados etnográficos sobre os novos povos, a fim de juntar informações para as pesquisas dos antropólogos europeus.

                Este período ainda é marcado pelos estudos da anatomia humana e pelos achados mais antigos dos fósseis humanos.

 

 

                Período de Convergência (1835-1869)

 

                Este período é marcado pela discussão do problema da evolução da humanidade. Boucher Perthes (1838) é o primeiro a propor esta questão. Boas (1896) irá fazer uma crítica ao evolucionismo, propondo a busca de métodos mais realistas e seguros na abordagem dos fatos sócio-culturais. Vão surgir neste período várias revistas e associações de antropologia. E serão definidos, por exemplo, os conceitos de sociedade e cultura. Os antropólogos vão passar a ser vistos como “amigos” dos povos primitivos, porque eles lutaram contra a expansão predatória européia que colocava em risco a vida dos grupos primitivos, seu objeto de estudo.

 

                Período de construção (1869-1900)

 

                O marco importante deste período é Charles Darwin (1859) “Origens das espécies”, obra clássica sobre a evolução biológica das espécies. Considerado como fundador da moderna antropologia, temos Edward Tylor, também evolucionista.

                Outros nomes importantes deste período: “...Batian, com sua teoria das ideias elementares; Bachofen, jurista suiço, que estudou a mitologia clássica e defendeu uma evolução na organização social que, segundo ele, logo após o regime de promiscuidade teria existido o matriarcado, uma espécie de ginogracia; Sumner Maine, também jurista, via na família patriarcal a unidade básica da organização social; McLennan desenvolveu a noção de paralelismo e procurou interpretar vários costumes primitivos; Edward Tylor, citado acima, é o nome mais importante para a antropologia cultural, porquanto foi ele que definiu o termo ‘cultura’ e apresentou-a como objeto da antropologia, estudou o fenômeno religioso, mas dedicou-se a todo o objeto da antropologia dando-lhe uma sistematização tanto no seu objeto como no seu método:[sic] Lewis Morgan também merece realce. É dele o clássico esquema da evolução cultural (selvageria, barbárie e civilização); igualmente muito importante é o nome de Frazer, que também se dedicou ao estudo do fenômeno religioso” (MELLO, 2008, p. 193).

 

                Período de crítica (1900-...)

 

                O período de crítica vem desde 1900 até hoje: crítica aos cânones iniciais da antropologia, novas abordagens, avanço das ciências afins, os meios de comunicação permitiram maior divulgação de ideias, democratização da educação, crescimento do movimento universitário, antropologia inserida em muitos currículos (Univ. Liverpool: introdução da primeira cátedra de antropologia social na Grã-Bretanha). A antropologia assume um novo papel diante da necessidade de se entender não somente o homem primitivo ou as tribos isoladas em outros continentes. A necessidade agora é entender quem é o homem contemporâneo, seu comportamento e modo de vida. A antropologia divide esta tarefa juntamente com outras ciências humanas.

                Ainda no início do séc. XX temia-se que o desaparecimento dos povos primitivos levasse consigo a antropologia. Mas o que ocorreu foi a mudança metodológica: do imperialismo e colonialismo europeu para o nacionalismo africano, latino-americano: a antropologia se votou ao estudo do homem atual. Mello (2008, p. 195) diz que a “preocupação com o desaparecimento dos povos primitivos levou uma parcela dos estudiosos a se emprenhar numa tarefa, aparentemente de menor importância, de coletar e registrar dados sem uma maior preocupação teórica. Esse trabalho é conhecido com etnografia - a descrição dos costumes dos povos”.

                Nos EUA a antropologia vai ser marcada por uma forte influência da psicologia. Na Europa a pesquisa de campo se consolida como um método fundamental para a formação do antropólogo. Nomes importantes deste momento vão ser: Malinowski - funcionalismo; Radclife-Brown, funcionalismo, criador do estruturalismo inglês; Lévi-Strauss, estruturalismo, marcado por uma teoria bem formulada, mas deficiente na metodologia de pesquisa de campo.

                Nos países de Terceiro Mundo o que se espera é o reflorescimento dos estudos sobre a aculturação, que desemboque no surgimento da antropologia urbana, da cultura de massa, da cultura popular, do folclore e dos efeitos da urbanização doentia sobre as manifestações dessa cultura.

 

LAPLANTINE, François. "Uma ruptura metodológica: a prioridade dada à experiência pessoal do 'campo'"

 

LAPLANTINE

Área: antropologia

Tema(s): método: experiência pessoal de campo; abordagem antropológica; condições sociais do discurso antropológico; observador e objetividade em campo;

 

LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. Tradução Marie-Agnès Chauvel; prefácio Maria Isaura Pereira de Queiroz. São Paulo: Brasiliense, 2007. (Clefs pour L’antrhopologie 1988), pp. 149-173.

 

 

p. 149

1 - Uma ruptura metodológica: a prioridade dada à experiência pessoal do “campo”

- característica da pesquisa antropológica: “... observação direta dos comportamentos sociais a partir de uma relação humana.”

- a observação do antropólogo é diferente da observação de outras disciplinas: o antropólogo observa comunicando-se com os homens, partilhando sua existência de modo durável (Griaule, Leenhart) ou transitório;

- a etnografia procura “... impregnar-se dos temas obsessionais de uma

p. 150

sociedade, de seus ideais, de suas angústias. O etnógrafo é aquele que deve ser capaz de viver nele mesmo a tendência principal da cultura que estuda.”

- “Assim, a etnografia é antes a experiência de uma imersão total, consistindo em uma verdadeira aculturação invertida, na qual, longe de compreender uma sociedade apenas em suas manifestações exteriores (Durkheim), devo interiorizá-la nas significações que os próprios indivíduos atribuem a seus comportamentos.”

p. 151

- características da prática etnológica: 1 - distanciamento em relação a seu objeto; 2 - capacidade de encontrar explicação aos problemas apresentados; 3 - evita seguir uma programação rígida e estrita, em consequência da especificidade do modo de conhecimento que persegue;

p. 152

2 - Uma inversão temática: o estudo do infinitamente pequeno e cotidiano

- a história e a sociologia clássica dão prioridade de estudo à sociedade global, às formas de atividades instituídas, já a abordagem etnológica privilegia o que estas outras disciplinas deixam como “resíduo”:

p. 153

o universo microssocial, o pequeno e o cotidiano, as condutas mais habituais, os gestos mais simples;

- o campo dos etnólogos é o dos grupos de pequenas dimensões; se ele tem que estudar grandes grupamentos, ele procurará encontrar neles suas unidades mínimas de organização social;

p. 154

- “Em suma, seus objetos de predileção serão os grupos sociais que se situam mais no exterior da sociedade global do observador: os que qualificamos de marginais: camponeses, bretões, feiticeiros do Berry, adeptos de seitas religiosas...”

- sociedades grandes ou pequenas podem ser campo de estudo para o etnólogo: “E as diferenças entre os modos de vida e de pensamento são tão localizáveis nas nossas sociedades (constituídas de múltiplos subgrupos extremamente diversificados, e nos quais várias ideologias estão em concorrência) quanto nas sociedades qualificadas de ‘tradicionais’.”

- o etnólogo se interessa pela fonte de oralidade, do que não é escrito, segundo Lévi-Strauss: “...não é tanto porque os povos que estuda são incapazes de escrever, mas porque aquilo que o interessa é diferente de tudo que os homens pensam habitualmente fixar na pedra e no papel.”

p. 155

- as ciências humanas contemporâneas passam por um período de renovação: elas vão deixando de se concentrar somente no material teórico de suas análises e passam a enxergar, através dos vestígios de humanidade presentes neles, o homem escondido sob as múltiplas maneiras de olhar;

- “Mas é sobre tudo na história, ao meu ver, que assistimos a um deslocamento radical do campo da curiosidade. Trata-se de ir do público para o privado, do Estado para o parentesco, dos ‘grandes homens’ para os anônimos, e dos grandes eventos para a vida cotidiana.”

p. 156

- Uma exigência: o estudo da totalidade

- um esforço da pesquisa antropológica é tentar levar tudo em conta;

- “escreve Mauss (1960), ‘o homem é indivisível’ e ‘o estudo do concreto’ é ‘o estudo do completo’.”

- para o antropólogo é problemático especializar-se,

p. 157

pois ele lança mão de uma série de recursos de outras disciplinas, que são parciais, e tenta não parcelar sua análise e realizar seu trabalho; “O parcelamento disciplinar comporta, de fato, no horizonte científico contemporâneo, um risco essencial: o de um desmantelamento do homem em produtor, consumidor, cidadão, parente...”, o que leva as ciências humanas a especializar-se em situações da vida humana;

- a antropologia corre o risco de se perder no esforço da pluridisciplinaridade e depois costurar os retalhos recortados; “Pessoalmente, a antropologia me parece ser o antídoto não filosófico de uma concepção tayloriana da pesquisa, que consiste em: 1) cumprir sempre a mesma tarefa, ser o espe-

p. 158

cialista de uma única área; 2) tentar, de uma maneira pragmática, modificar, ou até transformar os fenômenos que se estuda. O drama das ciências humanas contemporâneas é a fratura entre uma atitude extremamente reflexiva (a da filosofia ou da moral), mas que corre o risco de cair no vazio, dada a fraca positividade de seus objetos de investigação, e uma cientificidade extremamente positiva, mas pouco reflexiva, por estar baseada no parcelamento de territórios e, voltarmos a isso, sobre uma forma de objetividade que as próprias ciências exatas descartaram há muito tempo.”

- “A prática da antropologia finalmente, baseada sobre uma extrema proximidade da realidade social estudada, supõe também, paradoxalmente, um grande distanciamento (em relação à sociedade à qual pertenço).”

p. 159

- “Se olharmos mais de perto, esta última disciplina [a filosofia] não é mais hoje um pensamento da totalidade dando-se como objetivo compreender os múltiplos aspectos do homem. Como escreve Lévi-Strauss, apenas três formas de pensamento são, no mundo contemporâneo, capazes de responder a essa definição: o islamismo, o marxismo e a antropologia.”

p. 160

4 - Uma abordagem: a análise comparativa

- a problemática maior da antropologia é a da diferença, o que pede uma descentração radical do observador e de sua sociedade em relação à sociedade que observa;

- o antropólogo precisa dissimulada ou deliberadamente romper o estado de etnocentrismo;

- quando olhamos uma sociedade e a comparamos com a nossa, somos capazes de visualizar aquilo que não suspeitávamos em nós; exemplos: a ênfase de saudação ao pai da criança e a couvade,

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a inauguração de um edifício e os rituais tradicionais de apropriação de um espaço;

- a abordagem comparativa, se confunde com a própria antropologia, é bastante ambiciosa;

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- uma forma de comparatismo: o evolucionismo: “... ordena fatos colhidos dentro de um discurso que se apresenta como histórico.”

- se o objetivo da antropologia cultural é comparar os comportamentos humanos em sua diversidade, em áreas geográficas diferentes, não se atendo ao tempo, mas sim à extensão no espaço, a irredutibilidade de cada cultura impede a comparação;

- o que interessa ao antropólogo são as variações da cultura, mas ele tem que considerar que estas variações devem obedecer certo número de invariações, pois é daí que ele pode estabelecer relações

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e efetuar seu trabalho de comparação;

- o antropólogo nunca pode perder de vista a consideração de que a humanidade é “plural”;

- a análise comparativa não é o primeiro instrumento de trabalho do antropólogo, ele se serve antes da coleta de dados e da descrição etnográfica e depois passa à análise lógica da sociedade que estuda, etnologia; depois disto é que “... poderá interrogar-se sobre a lógica das variações da cultura (antropologia)”.

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- na atualidade, o trabalho de análise comparativa se concentra nos costumes, comportamentos, instituições inseridos em seu contexto, fazendo parte de um sistema de relação;

- a tarefa passa pela descrição etnográfica, pela análise etnológica até se descobrir o que Lévi-Strauss denomina “estrutura inconsciente”, o que é sempre variável de um grupo a outro;

- a análise comparativa não estuda fatos empíricos em si, mas os sistemas de relações construídos pelo pesquisador como “... hipóteses operatórias, a partir destes fatos. Em suma,

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- as diferenças nunca são dadas, são colhidas pelo etnólogo, confrontadas umas com as outras, e aquilo que é finalmente comparado é o sistema das diferenças, isto é, dos conjuntos estruturados.”

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5 - As condições de produção social do discurso antropológico

- “A antropologia nunca existe em estado puro.” - ela não pode ser isolada de seu contexto;

- toda análise antropológica é situada: “Seu atestado de nascimento inscreve-se em uma determina época e cultura. Em seguida, transforma-se, em contato com as grandes mudanças sociais que se produzem, e se torna, um século depois, praticamente irreconhecível.”

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- exemplos: a antropologia evolucionista tendia a justificar as práticas colonizadoras civilizatórias da época vitoriana, já a antropologia norteamericana é notadamente anticolonialista: os Estados Unidos nunca tiveram colônias, só minorias étnicas, e são formados por uma pluralidade de culturas;

- “Esses exemplos bastam para nos convencer de que a antropologia é o estudo do social em condições históricas e culturais determinadas.”

- toda observação é determinada por um contexto social;

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- “Nosso pertencer e nossa implicação social, longe de ser um obstáculo ao conhecimento científico, podem pelo contrário, a meu ver, ser considerados como um instrumento. Permitem colocar as questões que não se colocavam em outra época, variar as perspectivas, estudar objetos novos.”

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6 - O observador, parte integrante do objeto de estudo

- o antropólogo pode pretender uma “neutralidade” de observação em campo, pensando assim colher dados “objetivos”, sem marcas pessoais, mas agindo assim ele corre o risco de afastar-se da objetividade característica da antropologia;

- insistir neste modelo é sinal de insuficiência da própria prática, pois o antropólogo não pode esquecer-se do estudo da totalidade, que exige uma integração social do observador com o observado;

- é possível somente distinguir observador e observado, mas não dissociá-los: “Nunca somos testemunhas objetivas observando objetos, e sim sujeitos observando outros

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sujeitos.”

- qualquer situação criada pelo antropólogo, no grupo que ele observa, causará uma perturbação no grupo, o que acabará por perturbar a ele mesmo;

- a análise do antropólogo deve também levar em conta as “... motivações extracientíficas dos observador e da natureza da interação em jogo.”, visto que no estudo da antropologia, os antropólogos são observadores de si mesmos;

- há fatos que causam estranheza ao antropólogo: exemplo: a hajba (em árabe: claustração, trancamento) Tunísia - ritual de fechamento da noiva, isolamento do universo masculino, tratamento de beleza e alimentação...

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... a facilidade de alguns homens e mulheres no Brasil de entrar em transe e se comunicar com entidades ancestrais e espirituais... são situações nas quais o antropólogo põe em cheque os próprios valores culturais e se pergunta sempre sobre a origem de seus julgamentos;

- o modelo de observação “objetivista” provém da física

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de até final do séc. XIX, mas já foi abandonado pelos físicos: “É a crença de que é possível recortar objetos, isolá-los, e objetivar um campo de estudo do qual o observador estaria ausente, ou pelo menos substituível.”

- “Ora, uma das tendências das ciências humanas contemporâneas é eliminar duplamente o sujeito: os atores sociais são objetivados, e os observadores estão ausentes ou, pelo menos, dissimulados. Essa eliminação encontra sempre sua justificação na ideia de que o sujeito seria um resíduo não assimilável a um modo de racionalidade que obedeça aos critérios da ‘objetividade’, ou, como diz Lévi-Strauss, de que a consciência seria a ‘inimiga secreta das ciências do homem’.”

- a física moderna reverte este modelo: “Heisenberg mostrou que não se podia observar um elétron sem criar uma situação que o modifica. Disso tirou (em 1927) seu famoso ‘princípio da incerteza’, que o levou a reintroduzir o físico na própria experiência da observação física.”

- é com Devereux (em 1938) que este princípio será aplicado também à etnologia: o antropólogo perturba o sujeito e o ambiente que observa, mas também sofre os efeitos desta perturbação, este efeito não é mais considerado como

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- obstáculo a ser neutralizado, mas como uma grande fonte de conhecimento;

- “A análise, não apenas das reações dos outros à presença deste [do etnólogo], mas também de suas reações às reações dos outros, é o próprio instrumento capaz de fornecer à nossa disciplina vantagens científicas consideráveis, desde que se saiba aproveitá-lo.”

 

 

ETZIONI, Amitai. "Racionalismo e felicidade: o dilema da organização"

 

ETZIONI

Área: sociologia das organizações;

Tema(s): organizações, conceito; racionalismo, felicidade e organizações;

 

ETZIONI, Amitai. Organizações modernas. 7a ed. São Paulo: Pioneira, 1984, pp. 1-4. (Cap. I - Racionalismo e felicidade: o dilema da organização)

 

 

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- Vivemos numa sociedade de organizações (Apud: Robert PRESTHUS, The Organizational Society. New York: Knopf, 1962.): do nascer ao morrer estamos em função de organizações.

- “...sociedade moderna atribui um elevado valor ao racionalismo, à eficiência e à  competência.”

- organizações: formas racionais e eficientes para garantir as condições de agrupamento social através das ações humanas;

     - combina pessoal, recursos, reúne líderes, especialistas, operários, máquinas e matérias primas;

     - avalia sua realização para ajustar-se e atingir objetivos

- presença das organizações desde antiguidade: faraós, imperadores chineses e primeiros papas;

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a sociedade moderna tem muitas organizações e tem organizações para cuidar de outras organizações (ex.: ministérios)

- as organizações atuais são mais eficientes: “As mudanças na natureza da sociedade humana tornaram o ambiente social mais compatível com as organizações.”

- o estudo da administração ampliou a capacidade humana de planejar, coordenar e controlar (e prever)

- o maior alcance e racionalismo das organizações tem um custo social e humano. “A organização, em vez de ser uma obediente servidora da sociedade, passa, às vezes, a dominá-la.”

- (tensão social constante: indivíduo x grupo)

- tensão: organização x sociedade: (quem prevalece?)

- ninguém quer voltar a uma sociedade mais primitiva, o esforço é minimizar as más conseqüências do desvirtuamento das organizações.

- incompreensão: “...nem tudo o que aumenta o racionalismo reduz a felicidade, e nem tudo o que amplia a felicidade reduz a eficiência”

- pessoal menos alienado = organização mais eficiente

- trabalhadores frustrados rendem menos que trabalhadores satisfeitos

- (ex.: no início da Rev. Ind.: jornada de 14h/dia = produção deficiente; posteriormente: jornada reduzida 8h/dia = produção otimizada)

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limites:

     - nem todo trabalho pode ser bem pago e satisfatório

     - nem toda regra pode tornar-se aceitável

- o problema das organizações modernas: conseguir ao mesmo tempo reunir agrupamentos humanos mais racionais e produzir o mínimo de conseqüências secundárias e o máximo de satisfação

 

Definição das organizações

 

- organizações: corporações, exércitos, escolas, hospitais, igrejas, prisões;

- agrupamentos sociais: tribos, classes, grupos étnicos, grupos de amigos, famílias;

 

- características das organizações:

- 1 - divisão de trabalho, poder e responsabilidade de forma não causal ou via tradição, mas através do planejamento intencional visando a realização de objetivos específicos;

- 2 - um ou mais centros de poder flexíveis para controlar os esforços da organização em vista dos objetivos;

- 3 - substituição e recombinação de pessoal através de demissão, transferência ou promoção;

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- “... mais que qualquer outro agrupamento social, as organizações controlam sua natureza e seu destino”

- organização = burocracia, não no sentido negativo, mas no sentido de unidade organizada de acordo com os princípios estabelecidos - Weber;

 

- ATIVIDADE: como profissionais ... podem atuar para minimizar a tendência dominadora das organizações sobre a sociedade?

- respostas livres;

- sugestão: se o profissional entender bem a função da organização em que trabalha e se convencer de que não deve fugir do cumprimento dos seus objetivos, pode-se reduzir os abusos organizacionais.

 

DRUCKER, Peter F. "Como pode o indivíduo sobreviver?"

 

DRUCKER

Área: sociedade e novas tecnologias, mudanças econômicas e sociais.

Tema(s): Trabalho e trabalhador na sociedade do conhecimento.

 

DRUCKER, Peter F. Uma era de descontinuidade: orientações para uma sociedade em mudança. 3. ed. Tradução de J.R. Brandão Azevedo. Rio de Janeiro: Zahar, 1976. “Como pode o indivíduo sobreviver?”, pp. 275-294. (Original: The age of discontinuity: guidelines to our changing society - 1969).

 

 

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11. Como pode o indivíduo sobreviver?

 

- “O descontentamento estudantil não é nada de novo. Mas atual alienação do membro mais privilegiado da sociedade atual, o jovem estudante, é algo realmente muito novo.”

- “Hoje, todavia, existe uma verdadeira ‘internacional estudantil’. É claro que não há comando central algum, nem um credo comum; mas há um inimigo comum. É a organização. Os estudantes ‘ativistas’ de hoje são contra a organização e sua autoridade em qualquer forma que ela se apresente.”

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- “A percepção dos jovens de que a sociedade tornou-se uma sociedade de organizações e de que isso contrasta de modo gritante com a sociedade a que se referem nossos livros, nossa retórica política e nossas convenções é uma compreensão perfeita e realista.” Mesmo assim, não abrimos mão das organizações.

- “Zombar do poder só o torna mais opressivo. O poder precisa ser usado. Se o decente e idealista atirar o poder à sarjeta, os moleques de rua o apanharão. [...] O poder não utilizado para fins sociais passa às pessoas que o exercem para seus próprios fins.”

p. 277

- “Não é verdade que os jovens repudiem a liderança. Eles a buscam.” A sua crítica contra a organização está voltada à falsa liderança. Os jovens podem se tornar presas fáceis para líderes demagogos e totalitários.

- “Os estudantes sempre tendem a estar inquietos.”

- “O fato de a grande maioria dos estudantes de hoje ser proveniente de lares sem tradição de educação superior é em si mesmo uma importante razão da inquietação estudantil.”

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- Há um grande conflito de gerações, sobretudo quando a juventude constata que os mais velhos estão no poder.

- A alienação dos jovens pode ser interpretada como uma doença passageira, ligada a uma fase. “Mas como sintoma, a alienação dos jovens deve ser levada a sério. Subjacente a ela está a percepção de que a sociedade de organizações traz à baila problemas para o indivíduo,

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problemas esses que ainda não recebem atenção da teoria social e política, e muito menos ainda uma resposta.”

 

O peso da decisão

 

- “É, antes de mais nada, o peso da decisão imposto pela sociedade de organizações que os jovens acham assustador e contra o qual se rebelam. De repente há escolhas para diversas carreiras; há pouco tempo, a grande maioria tinha suas carreiras determinada desde o nascimento. Subitamente, fazem-se necessárias decisões acerca da direção e do objetivo do conhecimento”.

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- “Mas a reação dos jovens, ainda que fútil, reflete mais uma vez uma verdadeira compreensão. A sociedade de organizações exige do indivíduo decisões relativas a si mesmo.” Ao decidir sobre sua carreira o indivíduo se questiona: “O que farei?” Mas há uma pergunta implícita: “A que causa desejo servir?” “E subjacente a esta há a exigência de que o indivíduo assuma a responsabilidade por si mesmo. ‘O que farei de mim?’, e não ‘O que farei?’ é a verdadeira pergunta que está sendo feita pelos jovens, em função da multidão de escolhas que se lhes apresentam.”

- Estas questões existenciais não foram levantadas, ao menos no ocidente, durante muitos anos. “A Reforma Protestante de há quatrocentos anos foi a última a propô-las como questões gerais a serem respondidas por todos. Enquanto que o Catolicismo medieval tinha dado uma resposta automática de salvação pela obediência, a Reforma exigia do indivíduo que ele se indagasse a si próprio: ‘Quem eu quero ser a fim de ser salvo?’.”

- “De todos os grandes pensadores do século XIX, só Kierkegaard indagou ‘Como é possível a existência humana?’ Para todos os outros esta era uma pergunta sem sentido e fora de moda. Todos eles perguntavam: ‘Como é possível a sociedade?’.”

p. 281

- “Mas, pelo menos, a alienação dos jovens no mundo inteiro hoje em dia mostra indubitavelmente que a essas questões terão de ser levadas em consideração. Porque a sociedade de organizações proporciona escolhas, impondo, por conseguinte, ao indivíduo o peso das decisões. Cobra-lhe o preço da liberdade: a responsabilidade.”

 

As esferas da Liberdade

 

- “O totalitarismo difere de todas as tiranias do passado pelo fato de aspirar ao controle total da sociedade, e não ao controle apenas do governo.”

- “Mas , ao mesmo tempo, numa sociedade pluralista deste tipo é remoto o perigo da tirania tradicional, puramente política. [...] A sociedade pluralista é uma organização de ‘poderes em equilíbrio’, como mostrou J. Kenneth Galbraith há quase vinte anos. ** De fato, o perigo do pluralismo, como nos ensina a história, não é o domínio deste ou daquele grupo de interesse; é o colapso causado pela indecisão e por uma imobilização dos ‘poderes em equilíbrio’ e em competição.” (Nota ** Em seu livro American Capitalism - 1952).

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- “A mais leve intenção de qualquer instituição de reivindicar uma ‘responsabilidade’ que ultrapasse sua esfera estreita deve ser considerada como usurpação. Pode visar ao bem. Pode, a curto prazo, parecer de interesse social. Na verdade, pode ser a única maneira de conseguir que um trabalho urgente seja feito e bem feito. Mas é incompatível com uma sociedade livre. É uma ameaça à liberdade.”

- Nem mesmo a repartição pública escapa a esta regra. “Transformar a

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repartição pública numa parte da ‘soberania’ é, com efeito, usurpar o poder.”

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- “Na sociedade pluralista de organizações, a regra terá de ser a oposta: toda organização, não importa sua posição ou propriedade lega, é um instrumento com um propósito específico. Somente na medida em que suas ações sejam necessárias à realização de seu objetivo específico são elas legítimas. Caso contrário, são nulas e inúteis. O que é legal para uma organização é determinado pela função, e não pela forma.”

p. 285

- Em relação à mobilidade no trabalho, as relações entre trabalhador e empregador dentro de uma organização também precisam ser prensadas.

- “Precisamos de garantias contra a anulação arbitrária do contrato de emprego pelo empregador. A lei tem o dever de proteger o mais fraco numa relação contratual e de impedir que o mais poderoso abuse de sua vantagem.”

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- A liberdade pelo trabalho: direito ao trabalho; o trabalhador como equilíbrio entre as tensões do indivíduo e da sociedade.

p. 287

- “Além das garantias legais contra o poder opressivo, precisamos de garantias administrativas contra o governo opressivo. Numa organização, homens pequenos têm uma grande dose de poder.” Um empregado atrás de um balcão não é ninguém na empresa ou até em casa, mas pode tentar provar sua importância, abusando do público, fazendo-o esperar. Nos Estados Unidos, nos correios, uma saída foi implantar fiscais, “inspetores postais”, que secretamente vigiam o comportamento dos funcionários.

p. 288

-“Com a organização como realidade profunda da sociedade, a defesa do indivíduo contra a indolência, a arrogância e a tirania dos subalternos é uma garantia essencial.”

- “Esta é a ideia implícita na invenção sueca do Ombudsman - agora introduzido na Inglaterra - cuja função é proteger o cidadão contra a burocracia. [...] Ele não pode impedir a anulação da liberdade pela ditadura. Mas pode refrear a erosão da liberdade causada pelo descuido, pela preguiça e pela arrogância.”

- “Um dos direitos individuais que o Ombudsman precisa garantir mais preocupadamente - e contra todas as organizações - é o direito à vida privada. Na verdade, nunca existiu esse direito. Nas comunidades do passado, a tribo, a aldeia, a pequena cidade, a vida privada era desconhecida. Um ermitão na caverna era o único homem que gozava alguma vez do isolamento.”

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- “O direito à não-intromissão é uma benção da Revolução Industrial e de uma sociedade de classe média. O número de pessoas que o desejam de fato é, provavelmente, pequeno. Todavia, num mundo de organizações poderosas, é uma garantia necessária da liberdade.” Pois, até que ponto é necessário o conhecimento sobre o indivíduo?

- “O fato de podermos gravar todas as informações - e as informações erradas - sobre as pessoas nas memórias dos computadores não justifica nossa preocupação com a vida privada.”

- “Numa sociedade pluralista não há organizações ‘boas’ ou ‘más’. Todas elas são necessárias, e todas são capazes de degenerar.”

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- “As empresas, não importa quem as possua, devem ater-se ao fornecimento de bens e serviços em troca de retribuição econômica. As universidades devem limitar-se ao avanço e ao ensino do conhecimento e a torná-lo eficaz. Os militares devem restringir-se restringir-se à defesa da nação.” As organizações devem ater-se a seus objetivos.

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