segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Comentário sobre "Televisão: a vida pelo vídeo", de Ciro Marcondes Filho

 

Apresentação

 

            Este texto é um pequeno esforço de entendimento da obra de Ciro Marcondes Filho, Televisão: a vida pelo vídeo para o aproveitamento do módulo de “Teorias da Comunicação” do SEPAC.

            A obra de Ciro Marcondes apresenta o fenômeno da TV na vida do cotidiano das pessoas abordando não o meio em si, mas toda a gama de questões que se põem na relação do meio com o receptor.

            Esta sua análise encontra, assim, grande valor na medida em que aponta os fatos de maneira clara e concisa evidencia as razões e a natureza de muitas dúvidas e realidades que existem entre o meio e o indivíduo.

 

 

Síntese do conteúdo do livro

 

Introdução

 

            Por que o homem moderno precisa tanto da TV?

            Esta é a pergunta chave deste trabalho de Ciro Marcondes Filho, que dá movimento a toda sua reflexão desenvolvida neste livro.

            Basicamente a televisão, como coloca o autor, atende a necessidade muito antigas do homem, ligadas ao se “mundo de fantasias” que move, com suas aspirações, o “mundo das obrigações”.

 

A eletronização dos sonhos

 

            A TV, como apresenta Filho, está dentro da casa de cada indivíduo para preencher também uma lacuna nas suas relações interpessoais. A TV estabelece uma nova forma de diálogo com o indivíduo fazendo distanciar-se, no isolamento, das inúmeras possibilidades de contato com as outras pessoas.

            A história da imagem, que ganhou seu papel principal na TV, é-nos mostra de como o homem foi aos poucos estabelecendo contato com o real , e construindo seu imaginário, de maneira representativo-simbólica entre sua própria ação e sua realidade circunstante. Desde as primeiras pinturas, a fotografia até os meios eletrônico-digitais de hoje o homem vem estabelecendo uma relação sempre nova com seu mundo via imagem.

            Isso fez com que o meio que prevalecesse em todo processo de relação fosse tão só e justamente a TV. Ela estabelece um espaço de comunicação entre homem, real, imaginário e seduz o telespectador de forma a fazer-se parte integrante de sua vida.

            A TV, na sua mais audaciosa pretensão, pode exercer um papel de “domesticadora da fantasia”. No estabelecimento de diálogo entre o real e o imaginário circunstante do indivíduo ela apresenta o real, enquanto produto cultural, de maneira industrializada, como que uma manufaturação de uma matéria-prima qualquer. O fato particular é posto em evidência assumindo caráter e características universais e válidas, o que o torna “facilmente consumível” (FILHO, 1988, p. 31) e já não mais pertencente a ninguém, a nenhum grupo ou cultura.

 

Fascínio, modelos e linguagem da TV

 

            A TV se põe na vida, no cotidiano das pessoas, como um meio fascinante. Desde a sua invenção e sua chegada ao Brasil, ela tinha o poder de congregar os “televizinhos” na casa daqueles que possuíam o aparelho.

            Hoje o fascínio que a TC exerce na massa não congregar mais as pessoas em torno de um aparelho, visto que “todo mundo” já tem seu aparelho, mas congrega o imaginário de todos, a fantasia de todos.

            O fascínio que a TV gera no telespectador passa pelo modo com o qual os seus programas são apresentados. Tudo o que a televisão exibe tem uma característica muito peculiar, com vista em prender a atenção do outro lado da “telinha”: o caráter de espetáculo, de show, que reveste todo seu produto.

            A TV trabalha de tal maneira a sua própria linguagem, que passa pela “cultura do passado e do desenvolvimento das outras formas de comunicação social” (FILHO, 1988, p. 43), para tornar o “diálogo” entre o meio e o receptor cada vez mais possível de compreensão, na medida em que este responda ao que ela apresenta, seja no consumo, na reflexão, no comportamento, nos sentimentos... na audiência.

            A TV se serve ainda de signos que atuam em dois planos: a cabeça do receptor como mecanismo de defesa do ego na negação da realidade e no produto, “pois o produto e realizado por pessoas que também elaboram os pensamentos como signos” (FILHO, 1988, p. 45). O signo exerce uma função que, basicamente, se explica pelo desligamento emocional do telespectador frente ao que se exibe na TV.

            O clichê também é outro mecanismo usado na TV. Sua função é estabelecer uma fusão entre o emocional do telespectador diante da exibição televisiva. O clichê distingue-se por esta sua capacidade de estabelecer uma ligação entre os sentimentos apresentados na TV e os sentimentos e emoções do telespectador, que estão gravados no seu inconsciente, referentes a emoções fortes de sua vida.

 

Os gêneros da TV

            A televisão compõe-se de muitos gêneros responsáveis de estabelecer a relação meio-receptor de uma maneira mais variada, criativa e atraente.

            Os telejornais veiculam notícias de tal forma a somente colocá-las diante do telespectador sem nenhum compromisso de informação-formação. O telejornal representa mais um modo de amenizar o negativo do real e propondo uma lado positivo da realidade de maneira a satisfazer o ego do espectador.

            As telenovelas trabalham muito mais com a afirmação de modelos comportamentais e possibilidades de realização, a fim de fazer o espectador entrar em contato com um mundo social, do que com a fomentação ideológica manipuladora do telespectador.

            Na TV, o humor exerce um papel fundamental de, segundo Freud, provocar o afrouxamento de nosso controles internos e satisfazer, no caso do humor malicioso, nossas pulsões representadas e proibidas. O humor encarna em si a irreverência de poder debochar do discurso sério, “pois o discurso sério na sociedade não passa, de fato, de puro deboche” (FILHO, 1988, p. 47).

            Existem ainda, os programas de entrevistas com auditório que representam, de uma maneira eletrônico-televisiva, o que a realidade do circo traz na sua essência: oferecer ao “respeitável público” o que há de espetacular, espantoso, fantástico; tudo isso de forma bem familiarizada com a realidade do telespectador, como que entrando na sua sala de estar, uma vez que este pode fazer parte do auditório-picadeiro ou, ao menos, sentir-se mais um na plateia comendo pipoca ...

            Os programas de gênero esportivo, na TV, encerram em si uma característica muito peculiar, mas não muito notória: a possibilidade de que a população humilde e simples tem de sublimar suas frustrações, no caso do futebol, dos homens em particular.

            Os musicais trazem na sua forma uma realidade importante para a efetivação de todo o processo de atenção: o som desempenha um papel de “valores modais de fantasia” (FILHO, 1988, p. 73). Eles trabalham com temas simples e populares, de fácil fixação, que, através da repetitividade, alcançam seu lugar cativo na mente do telespectador-ouvinte. Nos musicais, cenários, artistas, apresentadores etc., além de apresentarem um realidade rítmica de movimento, estão sempre preocupados com a manutenção de novos padrões de apresentação de sua imagem como um todo. Isto torna o musical, o cantor, atraente por um tempo maior, na medida em que estes se livram do enquadramento cristalizador de um modelo feito pelo público.

            O videoclipe é uma nova maneira de se trabalhar, a partir da conjugação de imagem-enredo-melodia musical, as emoções fantasiadas do produto. Contudo, a sua novidade de já mostrar a fantasia que estava escondida por detrás da canção inibe o telespectador de construir ele mesmo o cenário de fundo da música.

            A publicidade na TV está mais além do que somente vender produtos, ela dá “a demonstração de modelos a serem seguidos” (FILHO, 1988, p. 77), a partir do estabelecimento de um padrão estético altamente perfeito e belo.

            Dentro das propagandas, aquela que se chama “propaganda subliminar”, hoje, já não encontra mais razões comprovadas de poder se dar como verdadeira e de chegar a seu termo.

 

Televisão e sociedade

 

            A TV encontra nos diversos seguimentos e dimensões da sociedade um tipo de ressonância diferente.

            No campo da ideologia a TV confirma, mais que altera, a opinião geral do público sobre a norma e a ordem geral instituída da sociedade. Tem-se a ilusão de que a TV distancia o espectador da realidade, contudo, como afirma Goodlad, a assistência dos programas populares é “um ritual social de integração, através do qual brincamos de suprimir os valores vigentes e os modos de comportamento, mas que, no fim, recebemos uma cacetada moral que nos faz voltar ao mundo do direito e da ordem, pois os problemas são sempre resolvidos e os espectadores tem a sensação de que tudo volta ao seu ritmo normal” (FILHO, 1988, p. 83).

            A relação da TV com a política não é, o contrário do que geralmente se pensa, determinístico-manipuladora. É um mito dos jornalistas afirmar que é a televisão que determina posturas políticas ou elege determinado candidato. A massa não é inteiramente passiva e irracional e o mecanismo televisivo ou qualquer outro grande meio de comunicação não age sozinho, sem ter ideologias, poderes, pessoas por trás de si.

            Quanto à reprodução da violência é falsa a afirmação de que a TV gera violência. Ela é somente um canal de expressão, via pela qual o impulso contido no imaginário individual e coletivo dos telespectadores encontra modo de extravasamento. O comportamento violento só se efetua quando “a TV legitima uma ação primitiva extralegal” (FILHO, 1988, p. 89), radicada na sua “função exemplar”.

            A opinião pública também não é inteiramente constituída pela TV. Existem outras fatores que colaboram, mais discretamente, na formação da opinião da massa. É de fundamental relevância a história individual das pessoas que contêm fatos e acontecimentos que, antes dos meios de comunicação, constroem a opinião de cada um. Há que se considerar também o tempo histórico vivido a cada época.

            A censura, como apresenta Filho, explica-se como “controle ostensivo... uma forma aberta de repressão” (FILHO, 1988, p. 96) que se dá numa esfera de autocensura, censura externa pública e privada, encabeçada pelas diversas instituições “legisladoras” da sociedade. O erotismo é apresentado como ritual, mecanização e caricatura representacional do prazer. É a simulação da possibilidade de realização do desejo sexual, que passa, no homem e na mulher, pelas regras psíquicas do complexo de Édipo e de castração.

            Ao abordas a relação da TV e educação o autor analisa a questão de uma maneira mais real e otimista: a TV não veio competir com o educador; cabe a este reaprender uma maneira nova de ensinar __ e aqui a TV pode ajudá-lo __ conhecendo e entendendo os mecanismos/linguagem que a TV usa para se fazer tão “atrativa”.

            Quanto à questão da TV e da criança, o que de mais concretamente de pode dizer, fugindo das errôneas colocações do senso comum e considerando a grande assistência das crianças à TV, é que o assistir televisão pode levar:

            - a uma atividade mental passiva;

            - incentivar a preferência pela vida “fabricada” à própria vida;

            - desconfigurar a iniciativa própria, enquanto mero espectador;

            - incapacitar a criança a emoções autênticas;

 

Como reagir diante de TV

 

            Reagir diante da TV não significa aniquilá-la, desligá-la em constante protesto. Antes de mais nada, é necessário reconhecer tudo o que se esconde atrás de um aparelho eletrônico como a TV.

            A TV possibilita a passagem do nosso mundo privado ao mundo da fantasia, o que altera a relação do homem com o mundo.

            A tecnologia desenvolvida nos últimos tempos, sobretudo com relação à televisão, não põe o aparelho em condição de inteiramente prejudicial, mas, por isso, nem totalmente ruim. Esta tecnologia afeta a todos e ocasiona mudanças de hábitos, procedimentos, mentalidade.

            Segundo M. A. Erausquin, se não se pode lutar contra a qualidade na TV, resta reduzir o tempo em que a ela nós dedicamos na assistência, pois o interesse mercadológico tem a necessidade de público fixo (pessoas, horário) o que tolhe a liberdade de escolha de programação do telespectador a partir de sua iniciativa de assistir a TV acriticamente.

 

Relação do livro com o módulo de “Teorias da Comunicação”

 

            A relação do conteúdo do livro com o módulo “Teorias da Comunicação” pode se dar com referência às colocações sobre o pensamento de Gramsci “Cultura e hegemonia em Comunicação” e “Psicanálise em Comunicação”.

            Quanto ao pensamento de Gramsci, os conceitos de hegemonia, cultura popular, aparelho ideológico, a análise de Ciro Marcondes da TV mostra que ela pode atuar não como determinadora de um posicionamento político-social, mas com uma função reforçadora de tendências que partem de um projeto de “dominação” hegemônica não pertencente diretamente à ela, mas aos seus anunciantes, aos empresários, posições políticas e uma determinada ideologia a ser sustentada e afirmada como tal.

            Quanto à cultura popular a TV nem sempre é espaço aberto para este tipo de expressão, uma vez que ela __ a TV __ neutraliza os fatos que apresenta em sua “telinha” traduzindo-os numa linguagem básica, conferindo-lhes valores mercadológicos e destituindo-os de seu “lugar originário”.

            Quanto à “Psicanálise em Comunicação” por várias vezes temos no livro referências não só a Freud mas às diversas teorias da psicanálise. Entre elas é muito notória a citação do complexo de Édipo e de castração, a relação narcisista diante do meio, a troca de possibilidades entre imaginário e programa exibido, fantasia e mundo real...

            As teorias psicanalíticas, sem dúvida, são de estrema importância na análise e compreensão dos mecanismos da TV, bem como da sua realçado com os indivíduos.

 

Conclusão crítica sobre o livro

 

            A análise do autor é de uma seriedade interessante. Ao abordar o tema da TV, como um todo, ele procura estabelecer parâmetros de análise que não são unilaterais. TV e receptor são analisados ora juntos, ora separadamente. Este não é melhor do que aquele e vice-versa.

            O livro trata da questão de maneira didática e num linguajar bem acessível. A explicitação dos temas a cada capítulo proporcionam uma fácil localização para o leitor de cada assunto.

            A seriedade do livro é também percebida na constante citação de autores diversos e variados trabalhos e pesquisas. Isto alerta que a complexidade do fenômeno TV não pode ser simploriamente abordada.

            O ponto mais interessante, no decorrer do livro, foi a abordagem da TV com relação ao problema da educação. Antes de apontar soluções para resolver o embate professor x TV na disputa pela assistência do aluno, a dica do autor é, antes de tudo, que o professor reconsidere a sua maneira tradicional de dar aula e vá aprender com a TV quais os mecanismos, qual a linguagem usada para ter tantos pontos no IBOPE. E alerta: não se trata de eletronizar o professor, mas sim de se servir da “imagem e som”, que é a TV, para aprimorar seu método docente e acompanhar os tempos estando em sintonia com a geração sempre jovem que são seus alunos.

  

Referência

 

FILHO, C. M. Televisão: a vida pelo vídeo. São Paulo: Moderna, 1988.

 

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