segunda-feira, 20 de setembro de 2021

Comentário sobre "Televisão: a vida pelo vídeo", de Ciro Marcondes Filho

 

Apresentação

 

            Este texto é um pequeno esforço de entendimento da obra de Ciro Marcondes Filho, Televisão: a vida pelo vídeo para o aproveitamento do módulo de “Teorias da Comunicação” do SEPAC.

            A obra de Ciro Marcondes apresenta o fenômeno da TV na vida do cotidiano das pessoas abordando não o meio em si, mas toda a gama de questões que se põem na relação do meio com o receptor.

            Esta sua análise encontra, assim, grande valor na medida em que aponta os fatos de maneira clara e concisa evidencia as razões e a natureza de muitas dúvidas e realidades que existem entre o meio e o indivíduo.

 

 

Síntese do conteúdo do livro

 

Introdução

 

            Por que o homem moderno precisa tanto da TV?

            Esta é a pergunta chave deste trabalho de Ciro Marcondes Filho, que dá movimento a toda sua reflexão desenvolvida neste livro.

            Basicamente a televisão, como coloca o autor, atende a necessidade muito antigas do homem, ligadas ao se “mundo de fantasias” que move, com suas aspirações, o “mundo das obrigações”.

 

A eletronização dos sonhos

 

            A TV, como apresenta Filho, está dentro da casa de cada indivíduo para preencher também uma lacuna nas suas relações interpessoais. A TV estabelece uma nova forma de diálogo com o indivíduo fazendo distanciar-se, no isolamento, das inúmeras possibilidades de contato com as outras pessoas.

            A história da imagem, que ganhou seu papel principal na TV, é-nos mostra de como o homem foi aos poucos estabelecendo contato com o real , e construindo seu imaginário, de maneira representativo-simbólica entre sua própria ação e sua realidade circunstante. Desde as primeiras pinturas, a fotografia até os meios eletrônico-digitais de hoje o homem vem estabelecendo uma relação sempre nova com seu mundo via imagem.

            Isso fez com que o meio que prevalecesse em todo processo de relação fosse tão só e justamente a TV. Ela estabelece um espaço de comunicação entre homem, real, imaginário e seduz o telespectador de forma a fazer-se parte integrante de sua vida.

            A TV, na sua mais audaciosa pretensão, pode exercer um papel de “domesticadora da fantasia”. No estabelecimento de diálogo entre o real e o imaginário circunstante do indivíduo ela apresenta o real, enquanto produto cultural, de maneira industrializada, como que uma manufaturação de uma matéria-prima qualquer. O fato particular é posto em evidência assumindo caráter e características universais e válidas, o que o torna “facilmente consumível” (FILHO, 1988, p. 31) e já não mais pertencente a ninguém, a nenhum grupo ou cultura.

 

Fascínio, modelos e linguagem da TV

 

            A TV se põe na vida, no cotidiano das pessoas, como um meio fascinante. Desde a sua invenção e sua chegada ao Brasil, ela tinha o poder de congregar os “televizinhos” na casa daqueles que possuíam o aparelho.

            Hoje o fascínio que a TC exerce na massa não congregar mais as pessoas em torno de um aparelho, visto que “todo mundo” já tem seu aparelho, mas congrega o imaginário de todos, a fantasia de todos.

            O fascínio que a TV gera no telespectador passa pelo modo com o qual os seus programas são apresentados. Tudo o que a televisão exibe tem uma característica muito peculiar, com vista em prender a atenção do outro lado da “telinha”: o caráter de espetáculo, de show, que reveste todo seu produto.

            A TV trabalha de tal maneira a sua própria linguagem, que passa pela “cultura do passado e do desenvolvimento das outras formas de comunicação social” (FILHO, 1988, p. 43), para tornar o “diálogo” entre o meio e o receptor cada vez mais possível de compreensão, na medida em que este responda ao que ela apresenta, seja no consumo, na reflexão, no comportamento, nos sentimentos... na audiência.

            A TV se serve ainda de signos que atuam em dois planos: a cabeça do receptor como mecanismo de defesa do ego na negação da realidade e no produto, “pois o produto e realizado por pessoas que também elaboram os pensamentos como signos” (FILHO, 1988, p. 45). O signo exerce uma função que, basicamente, se explica pelo desligamento emocional do telespectador frente ao que se exibe na TV.

            O clichê também é outro mecanismo usado na TV. Sua função é estabelecer uma fusão entre o emocional do telespectador diante da exibição televisiva. O clichê distingue-se por esta sua capacidade de estabelecer uma ligação entre os sentimentos apresentados na TV e os sentimentos e emoções do telespectador, que estão gravados no seu inconsciente, referentes a emoções fortes de sua vida.

 

Os gêneros da TV

            A televisão compõe-se de muitos gêneros responsáveis de estabelecer a relação meio-receptor de uma maneira mais variada, criativa e atraente.

            Os telejornais veiculam notícias de tal forma a somente colocá-las diante do telespectador sem nenhum compromisso de informação-formação. O telejornal representa mais um modo de amenizar o negativo do real e propondo uma lado positivo da realidade de maneira a satisfazer o ego do espectador.

            As telenovelas trabalham muito mais com a afirmação de modelos comportamentais e possibilidades de realização, a fim de fazer o espectador entrar em contato com um mundo social, do que com a fomentação ideológica manipuladora do telespectador.

            Na TV, o humor exerce um papel fundamental de, segundo Freud, provocar o afrouxamento de nosso controles internos e satisfazer, no caso do humor malicioso, nossas pulsões representadas e proibidas. O humor encarna em si a irreverência de poder debochar do discurso sério, “pois o discurso sério na sociedade não passa, de fato, de puro deboche” (FILHO, 1988, p. 47).

            Existem ainda, os programas de entrevistas com auditório que representam, de uma maneira eletrônico-televisiva, o que a realidade do circo traz na sua essência: oferecer ao “respeitável público” o que há de espetacular, espantoso, fantástico; tudo isso de forma bem familiarizada com a realidade do telespectador, como que entrando na sua sala de estar, uma vez que este pode fazer parte do auditório-picadeiro ou, ao menos, sentir-se mais um na plateia comendo pipoca ...

            Os programas de gênero esportivo, na TV, encerram em si uma característica muito peculiar, mas não muito notória: a possibilidade de que a população humilde e simples tem de sublimar suas frustrações, no caso do futebol, dos homens em particular.

            Os musicais trazem na sua forma uma realidade importante para a efetivação de todo o processo de atenção: o som desempenha um papel de “valores modais de fantasia” (FILHO, 1988, p. 73). Eles trabalham com temas simples e populares, de fácil fixação, que, através da repetitividade, alcançam seu lugar cativo na mente do telespectador-ouvinte. Nos musicais, cenários, artistas, apresentadores etc., além de apresentarem um realidade rítmica de movimento, estão sempre preocupados com a manutenção de novos padrões de apresentação de sua imagem como um todo. Isto torna o musical, o cantor, atraente por um tempo maior, na medida em que estes se livram do enquadramento cristalizador de um modelo feito pelo público.

            O videoclipe é uma nova maneira de se trabalhar, a partir da conjugação de imagem-enredo-melodia musical, as emoções fantasiadas do produto. Contudo, a sua novidade de já mostrar a fantasia que estava escondida por detrás da canção inibe o telespectador de construir ele mesmo o cenário de fundo da música.

            A publicidade na TV está mais além do que somente vender produtos, ela dá “a demonstração de modelos a serem seguidos” (FILHO, 1988, p. 77), a partir do estabelecimento de um padrão estético altamente perfeito e belo.

            Dentro das propagandas, aquela que se chama “propaganda subliminar”, hoje, já não encontra mais razões comprovadas de poder se dar como verdadeira e de chegar a seu termo.

 

Televisão e sociedade

 

            A TV encontra nos diversos seguimentos e dimensões da sociedade um tipo de ressonância diferente.

            No campo da ideologia a TV confirma, mais que altera, a opinião geral do público sobre a norma e a ordem geral instituída da sociedade. Tem-se a ilusão de que a TV distancia o espectador da realidade, contudo, como afirma Goodlad, a assistência dos programas populares é “um ritual social de integração, através do qual brincamos de suprimir os valores vigentes e os modos de comportamento, mas que, no fim, recebemos uma cacetada moral que nos faz voltar ao mundo do direito e da ordem, pois os problemas são sempre resolvidos e os espectadores tem a sensação de que tudo volta ao seu ritmo normal” (FILHO, 1988, p. 83).

            A relação da TV com a política não é, o contrário do que geralmente se pensa, determinístico-manipuladora. É um mito dos jornalistas afirmar que é a televisão que determina posturas políticas ou elege determinado candidato. A massa não é inteiramente passiva e irracional e o mecanismo televisivo ou qualquer outro grande meio de comunicação não age sozinho, sem ter ideologias, poderes, pessoas por trás de si.

            Quanto à reprodução da violência é falsa a afirmação de que a TV gera violência. Ela é somente um canal de expressão, via pela qual o impulso contido no imaginário individual e coletivo dos telespectadores encontra modo de extravasamento. O comportamento violento só se efetua quando “a TV legitima uma ação primitiva extralegal” (FILHO, 1988, p. 89), radicada na sua “função exemplar”.

            A opinião pública também não é inteiramente constituída pela TV. Existem outras fatores que colaboram, mais discretamente, na formação da opinião da massa. É de fundamental relevância a história individual das pessoas que contêm fatos e acontecimentos que, antes dos meios de comunicação, constroem a opinião de cada um. Há que se considerar também o tempo histórico vivido a cada época.

            A censura, como apresenta Filho, explica-se como “controle ostensivo... uma forma aberta de repressão” (FILHO, 1988, p. 96) que se dá numa esfera de autocensura, censura externa pública e privada, encabeçada pelas diversas instituições “legisladoras” da sociedade. O erotismo é apresentado como ritual, mecanização e caricatura representacional do prazer. É a simulação da possibilidade de realização do desejo sexual, que passa, no homem e na mulher, pelas regras psíquicas do complexo de Édipo e de castração.

            Ao abordas a relação da TV e educação o autor analisa a questão de uma maneira mais real e otimista: a TV não veio competir com o educador; cabe a este reaprender uma maneira nova de ensinar __ e aqui a TV pode ajudá-lo __ conhecendo e entendendo os mecanismos/linguagem que a TV usa para se fazer tão “atrativa”.

            Quanto à questão da TV e da criança, o que de mais concretamente de pode dizer, fugindo das errôneas colocações do senso comum e considerando a grande assistência das crianças à TV, é que o assistir televisão pode levar:

            - a uma atividade mental passiva;

            - incentivar a preferência pela vida “fabricada” à própria vida;

            - desconfigurar a iniciativa própria, enquanto mero espectador;

            - incapacitar a criança a emoções autênticas;

 

Como reagir diante de TV

 

            Reagir diante da TV não significa aniquilá-la, desligá-la em constante protesto. Antes de mais nada, é necessário reconhecer tudo o que se esconde atrás de um aparelho eletrônico como a TV.

            A TV possibilita a passagem do nosso mundo privado ao mundo da fantasia, o que altera a relação do homem com o mundo.

            A tecnologia desenvolvida nos últimos tempos, sobretudo com relação à televisão, não põe o aparelho em condição de inteiramente prejudicial, mas, por isso, nem totalmente ruim. Esta tecnologia afeta a todos e ocasiona mudanças de hábitos, procedimentos, mentalidade.

            Segundo M. A. Erausquin, se não se pode lutar contra a qualidade na TV, resta reduzir o tempo em que a ela nós dedicamos na assistência, pois o interesse mercadológico tem a necessidade de público fixo (pessoas, horário) o que tolhe a liberdade de escolha de programação do telespectador a partir de sua iniciativa de assistir a TV acriticamente.

 

Relação do livro com o módulo de “Teorias da Comunicação”

 

            A relação do conteúdo do livro com o módulo “Teorias da Comunicação” pode se dar com referência às colocações sobre o pensamento de Gramsci “Cultura e hegemonia em Comunicação” e “Psicanálise em Comunicação”.

            Quanto ao pensamento de Gramsci, os conceitos de hegemonia, cultura popular, aparelho ideológico, a análise de Ciro Marcondes da TV mostra que ela pode atuar não como determinadora de um posicionamento político-social, mas com uma função reforçadora de tendências que partem de um projeto de “dominação” hegemônica não pertencente diretamente à ela, mas aos seus anunciantes, aos empresários, posições políticas e uma determinada ideologia a ser sustentada e afirmada como tal.

            Quanto à cultura popular a TV nem sempre é espaço aberto para este tipo de expressão, uma vez que ela __ a TV __ neutraliza os fatos que apresenta em sua “telinha” traduzindo-os numa linguagem básica, conferindo-lhes valores mercadológicos e destituindo-os de seu “lugar originário”.

            Quanto à “Psicanálise em Comunicação” por várias vezes temos no livro referências não só a Freud mas às diversas teorias da psicanálise. Entre elas é muito notória a citação do complexo de Édipo e de castração, a relação narcisista diante do meio, a troca de possibilidades entre imaginário e programa exibido, fantasia e mundo real...

            As teorias psicanalíticas, sem dúvida, são de estrema importância na análise e compreensão dos mecanismos da TV, bem como da sua realçado com os indivíduos.

 

Conclusão crítica sobre o livro

 

            A análise do autor é de uma seriedade interessante. Ao abordar o tema da TV, como um todo, ele procura estabelecer parâmetros de análise que não são unilaterais. TV e receptor são analisados ora juntos, ora separadamente. Este não é melhor do que aquele e vice-versa.

            O livro trata da questão de maneira didática e num linguajar bem acessível. A explicitação dos temas a cada capítulo proporcionam uma fácil localização para o leitor de cada assunto.

            A seriedade do livro é também percebida na constante citação de autores diversos e variados trabalhos e pesquisas. Isto alerta que a complexidade do fenômeno TV não pode ser simploriamente abordada.

            O ponto mais interessante, no decorrer do livro, foi a abordagem da TV com relação ao problema da educação. Antes de apontar soluções para resolver o embate professor x TV na disputa pela assistência do aluno, a dica do autor é, antes de tudo, que o professor reconsidere a sua maneira tradicional de dar aula e vá aprender com a TV quais os mecanismos, qual a linguagem usada para ter tantos pontos no IBOPE. E alerta: não se trata de eletronizar o professor, mas sim de se servir da “imagem e som”, que é a TV, para aprimorar seu método docente e acompanhar os tempos estando em sintonia com a geração sempre jovem que são seus alunos.

  

Referência

 

FILHO, C. M. Televisão: a vida pelo vídeo. São Paulo: Moderna, 1988.

 

História da Comunicação: Igreja Católica, comunicação e democratização na América Latina

 

Apresentação

 

            Este texto é um esforço de síntese dos capítulos IV, V, VI e VII do livro “A Igreja e a democratização da comunicação”, atividade requerida como exigência de reconhecimento da extensão do módulo de “Políticas da Comunicação” do SEPAC.

            Os capítulos referidos tratam, numa perspectiva situacional latino-americana, sobre a consolidação do processo de democratização da comunicação na América Latina a partir do debate da NOMIC passando pelo conceito de democratização, fundado na realidade histórica da Igreja latino-americana e a comunicação alternativa, até desembocar no processo mesmo de democratização da comunicação não só diante da realidade social e dos grandes meios, mas também dentro da própria Igreja Católica.

            Durante o transcorrer do conteúdo a autora vai apontando não só às referências teóricas sobre a comunicação, mas, de uma forma muito concreta, para a realidade de experiências feitas nesta dimensão por diversos setores da Igreja no Brasil, apesar de uma lentidão de posicionamentos da hierarquia, junto às comunidades cristãs e ao clero.

 

Síntese dos capítulos IV, V, VI e VII


 Cap. IV - A Igreja Católica e a Nova Ordem Mundial de Informação e Comunicação.

            De começo a Igreja Católica mostrou-se interessada na NOMIC, mas seu apoio não se fez sentir por parte da sua hierarquia e nem em tantos outros encontros internacionais sobre a comunicação.

            O debate sobre a NOMIC passou por uma fase de “esquecimento”, sobretudo após a retirada dos EUA da UNESCO e a posição político-administrativa do presidente da mesma, Frederico Mayor, endossando o “livre fluxo de informação”. Mas o “movimento” da NOMIC tem encontrado respaldo em outras instâncias não governamentais, de particulares e populares. Nas classes populares, em particular no Brasil, se tem feito sentir notadamente o emprego das mais variadas formas dos meios de comunicação, em especial os vídeos alternativos, na luta pela igualdade política, dignidade da pessoa, direitos humanos e salariais etc.

            A Igreja católica, embora de modo paulatino, vem também recobrando o “terreno perdido” na busca de uma nova ordem na comunicação. Vigorosas são as palavras do papa João Paulo II sobre a necessidade de uma comunicação usada de forma correta, justa e construtora da informação. A Igreja na América Latina mostrou seu apoio através de referências nos documentos episcopais, das propostas da teologia da libertação e das manifestações de algumas organizações católicas (UCLAP, UCIP, UNDA, OCIC) que se empenharam, e ainda o fazem, na luta pela democratização da comunicação.

            No congresso de Quito, promovido pela UCLAP e UNESCO, tem-se um relançar da participação e o direito à mesma, de uma forma mais concreta, nos meios de comunicação. A instauração de uma nova ordem, além de se fundamentar nos direitos individuais à livre expressão e informação, passa também pelo direito de associação, participação, organização e ação da comunidade e de seus membros.

            No que se refere à participação, o documento de Quito tem dois aspectos a serem notados. Um é a necessidade de libertação e derrubada de barreiras, dentro de um contexto militar massacrante, e o outro a participação politicamente equitativa nos meios, visto as tantas manipulações dos monopólios e elites políticas. O documento de Quito considera a comunicação alternativa como uma forma essencial para se instaurar uma nova ordem na comunicação. Isto, sobretudo, pelo fato de o documento apontar para uma nova concepção de comunicação, advinda da comunicação alternativa, que se abre de modo imprescindível ao diálogo.

            Um congresso em Embu, São Paulo, tratou de forma privilegiada, da América Latina, sobre a NOMIC e a participação dos cristãos em geral, e em especial os católicos. O documento aponta para os abusos que as ideologias políticas e as estratégias financeiras têm feito, aumentando a distância entre ricos e pobres, e alerta que os meios de comunicação passaram a ser armas poderosas contra a grande “massa” popular, quando poderiam e deveriam se fazer um “bem social”. Neste sentido, a ideia de participação de todo cidadão, através da comunicação alternativa, o acesso e o direito à informação são resgatados com muita intensidade. Uma nova ordem na comunicação começa a se configurar, a partir das propostas do documento, permitindo que as comunidades e grupos populares se empenhem mais na sua participação nos meios de comunicação. O documento de Embu ainda ressalta, significativamente, que a Igreja de forma alguma pode se eximir de levar adiante, com seu apoio, as propostas da NOMIC. Nesse sentido, a Igreja deveria manter-se alerta quanto à questão das políticas nacionais e passar a agir com outras Igrejas e organizações e “democratizar” a comunicação também dentro dos seus muros, o que implica e supõe uma autoridade que é serviço e uma abertura ao diálogo e à co-participação dos fiéis leigos co-responsáveis na missão evangelizadora da Igreja. É preciso abandonar os “moldes tradicionais” e restaurar a comunicação no interior da Igreja mesma e nas suas diversas instâncias.

 

 Cap. V - O conceito de democratização da comunicação

            O relatório MacBride, na sua análise global da comunicação, evidencia, fundamentado no direito de livre expressão (Declaração Universal dos Direitos Humanos) que a democratização da comunicação é consequência dos direitos e liberdades reservados a cada pessoa a fim de se garantir a parceria e a não-objetivação do indivíduo na comunicação, variedade de mensagens (implícito aqui a troca de mensagens e o conceito de diálogo) e a ampliação da participação nos meios de massa. O relatório MacBride fala de um “direito social” de comunicar, que passando pela democratização, é o diálogo entre grupos e camadas sociais e populares, resguardando-se a privacidade de cada um, o acesso e participação nos meios e a fidelidade ao teor verossímil da mensagem.

            A comunicação alternativa tem papel muito peculiar no processo de democratização da comunicação. As lutas sociais, marcas profundas da história latino-americana, encontram no campo da comunicação uma forma e urgência de libertação. Forma, enquanto o próprio meio possibilita a ampliação das lutas e reivindicações das classes populares e se faz também uma “arma” semelhante à do opressor. Se tantos ameríndios pereceram contra colonizadores numa luta de arco e flecha, lanças e machados contra cavalos e armas de fogo, hoje se trata de utilizar as mesmas armas: mídia versus mídia. Assim a comunicação reveste-se também sob o caráter de urgência. Faz-se necessário, cada vez mais, uma “libertação da comunicação”. Aqui as camadas populares, na comunicação alternativa, têm muito a contribuir. Na América Latina o conceito popular (pueblo, povo) já adquiriu caráter de emancipação, sobretudo emancipação política. As experiências de comunicação popular, enquanto experiências democratizadoras, supõem sempre um processo de participação e análise profunda da realidade popular em vista da sua superação. Isso amedronta as elites constituídas no subterfúgio da mídia. A comunicação popular abre novos horizontes de realização a partir de uma reflexão crítica e dialética da realidade (aqui se faz referência a alguns métodos: teoria marxista, neo-marxista, conscientização Paulo Freire etc.) e cria um espaço aberto e compatível de confronto entre emissor e receptor, dominante e dominado.

 

 Cap. VI - Comunicação alternativa e mídia alternativa na prática (dois casos estudados no Brasil)

            Partindo do pressuposto de que para democratizar a comunicação, além das indicações do relatório MacBride de acesso e participação a uma comunicação horizontal e alternativa e que as experiências populares alternativas têm papel imprescindível, considera-se aqui dois casos particulares no Brasil: as CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) e o CEMI (Centro de Comunicação e Educação Popular de São Miguel Paulista).

            As CEBs, no Brasil, não foram um movimento de inspiração direta da hierarquia eclesiástica, embora sejam fruto das suas iniciativas pastorais e contem com o incentivo dos bispos locais e, em especial, com o apoio da CNBB. O movimento caracteriza-se por uma nova forma de ser Igreja, isto é, um novo jeito de participação eclesial popular. Na sua base genitora encontram-se três movimentos que contribuíram para seu nascimento e constituição: primeiro o movimento de catequese popular de Barra do Piraí, caracterizado pelo papel protagonista dos leigos na evangelização, catequese e organização da comunidade; segundo, o Movimento de Natal de D. Eugênio Sales, que tinha a sua atuação junto às necessidades básicas da população fazendo também uso de programas de rádio, e o terceiro, o Movimento Popular de Cultura que, utilizando-se do método de educação de Paulo Freire, abriu um caminho a muitos membros da comunidade para continuarem engajados, como liderança, na luta pelo direito de fazer a própria história.

            O nascimento das CEBs também se vincula com a criação da Conferência Episcopal no Brasil, a CNBB, e com o acontecimento do Concílio Vaticano II, a nível religioso. Na dimensão econômico-política temos o programa desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek, com a industrialização de alguns centros e o “inchaço urbano”. Em nível social, começa a surgir a “consciência trabalhista reivindicatória” e, em contrapartida, a repressão legitimada pela “Doutrina de Segurança Nacional”.

            A Igreja Católica, de forma muito significativa e humilde, diante do confronto com as forças repressoras, contrárias aos direitos humanos, veio assumindo uma postura de reconhecimento das próprias falhas “políticas” ao tempo que se relança com um olhar e mãos atentos aos pobres, numa opção preferencial. Deste modo, temos nas CEBs uma maneira não só renovada de ser Igreja, mas de reunir os leigos cristãos numa experiência de comunidade cristã inserida na base da marginalização para fazer com que o “pobre” tome consciência de que ele também é do Povo de Deus, Igreja, e transformar a realidade de forma participativa a fim de viverem com dignidade. Além de outros tantos atributos, ressalta-se aqui a utilização da comunicação no interior das CEBs que vai desde a vida litúrgica até aos aspectos linguísticos da comunidade. Embora no Brasil exista muitas CEBs, quase a metade do que há na América Latina, muitas sãos as problemáticas e matizes da atuação de cada uma delas, mas todas convergem numa mesma metodologia: ver a própria realidade com clareza, julgá-la à luz da Bíblia e agir como comunidade. Dessa maneira cada membro do grupo partilha tudo do pouco que tem na sua vida e a comunidade começa a ganhar novo elã. E não se torna uma simples comunidade, mas uma comunidade que tem na sua base uma necessidade constante de participação. É, sobretudo, por esta consciência de participação que as CEBs conseguem realizar de maneira profunda a sua experiência eclesial libertadora.

            A experiência do CEMI tem suas origens junto ao trabalho de maior dedicação e atenção da Igreja, na pessoa de seus pastores, junto aos pobres e às suas necessidades. Este Centro de Comunicação foi construído com a ajuda de D. Angélico e de uma agência estrangeira, Misereor, para se tornar um espaço aberto à realização dos trabalhos pastorais da diocese de São Miguel Paulista. Muitos movimentos tinham o CEMI como ponto de referência. A comunidade aos poucos ia ganhando espaço para sua atuação. Após um período de crise o CEMI mantém ainda as suas atividades no apoio a movimentos e outras CEBs com material diverso de comunicação, além de manter a publicação de um periódico quinzenal “Grita, Povo!”, com notícias de interesse das comunidades da região. O CEMI também possui um centro de documentação e auxilia diversas comunidades na execução de programas de rádio. Seu papel fundamental é de auxílio às comunidades no âmbito da comunicação e que garante, ao mesmo tempo, uma peculiaridade da comunicação alternativa das comunidades de base: o discurso franco e coerente com a realidade da pessoas e o meio em que vive num forma horizontal de comunicar, que supõe participação, solidariedade e uma dialética constante entre o ver, julgar e agir.

 

 Cap. VII - Democratização da comunicação: um desafio para a Igreja da América Latina (Conclusões)

             A Igreja, na América Latina, desenvolveu seu jeito próprio de lidar com a comunicação. Ela, nas suas várias organizações e comissões, se inspirou nas premissas de alguns documentos do Vaticano II e, no terreno da práxis, recebeu muitas colaborações da teologia da libertação. Deste modo, assumindo com radicalidade as proposições evangélicas e as diretrizes das diversas comissões e documentos eclesiais, a Igreja latino-americana tem claro o desempenho de um processo democratizador inspirado no desejo de uma comunicação libertadora.

            Considerando, com franqueza, o posicionamento político da hierarquia da Igreja, alguns segmentos da mesma (clero e Povo de Deus) sentiram a necessidade de recobrar o passo perdido. Enquanto a orientação oficial tocava no assunto da comunicação de maneira global e genérica, estes segmentos, de orientação progressista, se empenharam no debate da NOMIC e na sua efetivação, com o intuito de democratizar a comunicação, tendo a teologia da libertação também na sua perspectiva.

            Esta teologia muito contribuiu no processo de democratização e comunicação alternativa, sobretudo a partir de uma sua peculiaridade em reinterpretar a realidade social à luz da fé para transformá-la, sempre num esforço contínuo de participação.

            Nesta perspectiva, a prática da comunicação alternativa e popular vem contribuindo não só para a consolidação de comunidades e promoção de seus membros, mas também para a reformulação do conceito de comunicação. A prática, a longo prazo, de muitas comunidades com a comunicação vem afirmando a possibilidade de uma comunicação democratizada fundada no acesso e participação nos meios por um “receptor” que já não é mais passivo e pode ser ao mesmo tempo um emissor. Tal maneira de comunicação, embasada na necessidade de diálogo, vem se constituindo como uma forma horizontal e participativa de comunicação, o que é, sem dúvida, comunicação democratizada.

            Esta experiência mais a contribuição metodológica libertadora acena à necessidade de que é preciso democratizar a comunicação também no interior da Igreja, de forma particular no Brasil, onde ainda o processo de comunicação caminha entre uma dualidade tensa conservadora e progressista. É um terreno delicado, complexo e muito arredio. Mas os riscos da batalha precisam continuar sendo corridos. Mesmo com o posicionamento diverso e autocrático da hierarquia, o processo de democratização não pode ceder à batalha antes mesmo de empreendê-la.

            “No me gustan perder las batalhas antes de darlas”. (Gustavo Gutierrez)

 

Confronto do texto com o módulo de “Políticas da Comunicação”

 

            Gostaria de maneira breve apontar para alguns pontos de interelação entre o conteúdos dos capítulos analisados e o conteúdo do módulo de “Políticas da Comunicação”.

            Na fala da Profa. Dilma, sobretudo no relato da sua experiência numa das prefeituras do ABC-paulista, pode-se estabelecer um paralelo direto com a urgência de uma comunicação transformadora e democrática num contexto de participação da comunidade. Reunir jovens em torno do rap e até mesmo iniciar um programa de estudo de uma língua nativa africana é mais que dar vazão a uma manifestação músico-cultural e estabelecer uma relação com raízes étnicas, é sobretudo criar um espaço de participação onde os indivíduos possam, de acordo com a sua realidade, necessidades e interesses, desempenhar num processo de comunicação alternativa a transformação da sua própria realidade. Isto me pareceu muito ligado às proposições teóricas apontadas por Joana Puntel com relação à comunicação alternativa num contexto de comunicação democratizada. E ainda, este caso da Profa. Dilma, se enquadra não só dentro das referências teóricas apontadas pela autora, mas também se põe ao lado dos relatos das CEBs e CEMI feitos pela mesma.

            Na fala do Prof. José Carlos gostaria de ressaltar a importância do papel das rádios comunitárias, também referido nos capítulos assinalados, em algumas comunidades de São Paulo. Mais que citar nomes de rádios e comunidades, me chamou a atenção o acompanhamento que determinados segmentos têm dentro de uma arquidiocese. É de se notar o esforço de um departamento, no caso “Fórum Democracia na Comunicação”, no apoio a tais comunidades e seus projetos. Percebe-se que a inventiva de muitas comunidades e lideranças leigas imprimem na Igreja local, e no clero de modo particular, a necessidade de uma maior atenção e acompanhamento. A persistência no trabalho de comunicação de algumas comunidades pode fazer com que seus pastores também despertem do sono “fascinado” pelos meios e se ponham também eles a fazer comunicação. Interessante perceber aqui, lembrando o que Joana Puntel fala como o surgimento de um “novo conceito de comunicação”, que a experiência alternativa popular na comunicação abriu caminhos para uma nova compreensão e utilização dos meios, apontou para a possibilidade de uma comunicação participativa, democrática e libertadora e fez com que setores da hierarquia eclesiástica assumissem novos posicionamentos práticos, teóricos e políticos.

            Gostaria de ressaltar, por último, a necessidade de uma democratização da comunicação também no interior da Igreja, ponto final das conclusões de Joana Puntel, estabelecendo uma relação com as palavras da Profa. Helena Corazza quando diz das características da Pastoral da Comunicação. “Tornar visível a presença da Igreja no mundo e divulgar a vida e a ação da mesma mediante ações concretas” é uma atitude profética e evangelizadora de toda Pastoral da Comunicação. É uma tarefa gratificante e exigente. É profética porque põe às claras (denuncia) amarras de todo sistema opressor, inclusive nas denúncias referentes a posturas arcaicas dentro de suas próprias paredes, e anuncia uma maneira nova, dialógica, de se relacionar e de se comunicar. E é também evangelizadora porque traz ao mundo o sinal visível e concreto de uma realidade comunitária já empreendida num caminho de participação e transformação da realidade que a cerca. A Pastoral da Comunicação ao tempo que trabalha na democratização dos meios e auxilia no processo de transformação da sociedade, também se torna transformadora de si mesma, das suas bases eclesiásticas.

 

Conclusão crítica sobre os capítulos

 

            É preciso democratizar a comunicação no interior da própria Igreja.

            Este, a meu ver, foi o ponto culminante, nascido de toda investigação acadêmica de Joana Puntel, no confronto com a sua prática de comunicadora. A estrutura mesma da comunicação, enquanto é o falar, o transmitir mensagens, propagar ideias, formar e dar informações, impede que qualquer agrupamento humano ou indivíduo permaneça hermeticamente situado na sua realidade circunstante. O público e o privado têm uma dialética muito intrigante. Nem mesmo as grandes mídias escapam dos “furos jornalísticos”; nossos políticos muitas vezes se contradizem quando se veem em seus pronunciamentos televisivos, impressos e radiofônicos. O cotidiano das pessoas, desde o executivo de alto escalão até o favelado, tem espaço publicitário nos jornais, revistas e noticiários televisivos. A comunicação parece se tornar um punhal de dois gumes muito afiados.

            Quando a Igreja mesma se lança, nos seus segmentos seja laicais ou hierárquico-eclesiásticos, com a premissa de uma “comunicação a serviço da verdade e da paz” ela mesma não pode se ver fora dessa dialética do público e do privado. O horizonte da comunicação, muito mais a cada dia que passa, vai se expandindo de maneira brutal e nem mesmo o que se passa por trás do “véu do santuário” encontra hoje subterfúgios para permanecer no anonimato.

            A necessidade de democratizar a comunicação “dentro dos muros da Igreja” nasce como movimento proporcionalmente inverso quando a Igreja se pôs à democratização da comunicação, de modo geral. O que mais nos chama a atenção é que essa necessidade já podia ter sido percebida por alguns de seus membros, os da “ala progressista”, mas tal necessidade só se incorporou como projeto urgente quando a comunicação alternativa, no seio de muitas comunidades cristãs, abriu novos horizontes de participação não só na comunicação social mas também dentro da própria Igreja. Parece ter sido este o “toque de despertar”.

            A comunicação democratizada exigia ao mesmo tempo acesso e participação não só diante do sistema manipulador-opressivo das elites detentoras dos meios, mas também exigiu acesso e participação do Povo de Deus na Igreja que é inteiramente sua.

            Democratizar a comunicação no interior da Igreja é uma atitude profunda de co-participação integral num clima de corresponsabilidade e diálogo.

 

Referências

 

PUNTEL, J. T. A Igreja Católica e a Nova Ordem Mundial de Informação e Comunicação. In: PUNTEL, J. T. A Igreja e a democratização da comunicação. São Paulo: Paulinas, 1994. Cap. IV, p. ?

PUNTEL, J. T. Comunicação alternativa e mídia alternativa na prática (dois casos estu-dados no Brasil). In: PUNTEL, J. T. A Igreja e a democratização da comunicação. São Paulo: Paulinas, 1994. Cap. VI, p. ?

PUNTEL, J. T. Democratização da comunicação: um desafio para a Igreja da América Latina. (Conclusões). In: PUNTEL, J. T. A Igreja e a democratização da comunicação. São Paulo: Paulinas, 1994. Cap. VII, p. ?

PUNTEL, J. T. O conceito de democratização da comunicação. In: PUNTEL, J. T. A Igreja e a democratização da comunicação. São Paulo: Paulinas, 1994. Cap. V, p. ?

domingo, 12 de setembro de 2021

História da Comunicação: a Igreja Católica, tecnologias de comunicação e a comunicação na América Latina


Introdução 

            Este texto é uma síntese dos capítulos “A relação entre a Igreja Católica e as tecnologias da comunicação” e “A Igreja Católica e a comunicação na América Latina” referentes ao Módulo de História da Comunicação bem como uma rápida apreciação do conteúdo de ambos, sem a pretensão de esgotar o assunto aqui tratado pela Dra. Joana T. Puntel.

 

Síntese do conteúdo dos capítulos I e III 

Capítulo I - “A relação entre a Igreja Católica e as tecnologias da comunicação” 

            Olhando o passado

            Nos primórdios do cristianismo as comunidades cristãs acreditavam e se organizavam de modo a comunicar a própria fé no testemunho de vida em comunidades que viviam em clima mais fraterno e participativo.

            Ao longo da história, com o advento dos meios impressos de comunicação e, posteriormente, do cinema e com a superação dos conceitos de que a nascente tecnologia estava a serviço do mal, a Igreja foi se apropriando dos meios de comunicação, embora muito vagarosamente, desde Leão XIII até Pio XII, no reconhecimento do poder dos meios de comunicação de trabalhar com a opinião pública e da necessidade de se utilizar também destes meios para evangelizar.

 

            Vigilante Cura - apoio à Legião da decência sobre o cinema

            Esta encíclica de, Pio XI, foi destinada aos bispos dos Estados Unidos e falava sobre a Legião da Decência, que estava encarregada de pressionar os produtores de filmes e boicotar aqueles que fossem contra a moral cristã.

            É uma encíclica de afronta à libertinagem dos diretores americanos e, por outro lado, um reconhecimento da necessidade de desenvolvimento de uma ação que se contrapusesse ao que é negativo. Foi um momento em que a Igreja abordou isoladamente esta tecnologia de comunicação e se preocupou também com as suas características quantitativas e qualitativas, enquanto meio de comunicação.

 

            Miranda Prorsus - o primeiro grande documento sobre a comunicação

       A encíclica de Pio XII irá tratar da comunicação ampla e detalhadamente. Dá a ela as “boas vindas”, apresenta a disposição de que devem imbuir-se bispos, padres e leigos no aprender esta nova tecnologia para usá-la a serviço da fé, da promoção dos valores cristãos e da necessidade de usar do meio como “um precioso dom de Deus”. A encíclica trata do rádio, da televisão e do cinema no conjunto, sob a designação de comunicação, e de cada um isoladamente. Alerta também que a finalidade destes não está vinculada aos interesses políticos e propagandistas, mas deve ter por fins, implícita ou explicitamente, o desenvolvimento dos valores humanos e culturais.

 

            O Concílio Vaticano II - um ponto de partida

            O Concílio Vaticano II foi marcadamente um momento de renovação e de diálogo com o mundo atual e busca ardorosa de saber qual é a missão da Igreja neste nosso mundo. O Concílio Vaticano II abriu as portas à renovação e ao acompanhamento do progresso incessante da atualidade. Tratou a respeito da Igreja agora como “Povo de Deus”, apontou que a missão da Igreja agora é de responsabilizar-se pelo ensino dos princípios de uma ordem social mais justa, mais conforme à lei natural como implementação do Evangelho. Assim, justiça e paz passaram a ser vistas como exigências da missão da Igreja. Desta retomada social nasce a opção preferencial pelos pobres e marginalizados.

            Até hoje a Igreja vem se orientando nos princípios do Concílio Vaticano II, O nosso atual Papa, João Paulo II, coloca o acontecimento ainda como fundamental para a vida da Igreja moderna. O Concílio Vaticano II teve repercussões diversas em todo mundo. Alguns países, como o Brasil e Filipinas, se familiarizaram com as inovações conciliares; os Estados Unidos, Canadá, Grã-Bretanha, o País de Gales e a Escandinávia já aceitaram com um otimismo um tanto moderado e prosseguiram com as reformas propostas pelo Concílio. Já a Europa continental não se satisfez e apresentou uma postura pessimista manifestando o sentimento de que a Igreja declinava já há algumas décadas.

            Por fim, na guisa dos cardeais, o Vaticano II despertou uma reação ideológica. De um lado os conservadores que desacreditavam da validade e eficácia das reformas estruturais, porque ao aproximar-se do mundo, diziam, se contaminava facilmente com o materialismo, o consumismo e a indiferença religiosa. De outro lado os progressistas, que achavam que a Igreja ainda não conseguira esclarecer seus leigos de seu papel adequado de participação e de corresponsabilidade eclesial justamente porque as reformas necessárias foram barradas parcialmente e impedidas de acontecer.

 

            Inter Mirifica - a aceitação oficial da Igreja dos meios de comunicação para desenvolver um trabalho pastoral

            Aprovado em dezembro de 1963, este decreto assinala a primeira vez que um concílio geral dá atenção à questão da comunicação. É a primeira vez que um documento irá assegurar a obrigação e o direito da Igreja dispor dos meios de comunicação. É a posição oficial da Igreja de Roma para o clero e para os leigos sobre o uso dos meios de comunicação social.

            O texto original, de 114 artigos, causou uma série de protestos nos bispos e jornalistas franceses, americanos e alemães, o que incidiu em oposições contra o “placet” global do documento. Contudo, o documento foi aprovada mesmo tendo sido reduzido a 24 artigos e ter atingido o número maior de votos contra sua aprovação entre todos os documentos do Vaticano II.

            Está presente neste decreto a reivindicação dos diretos da Igreja na posse e no uso dos meios de comunicação para a sua ação pastoral, para educar e contribuir no desenvolvimento da humanidade. Uma das suas mais significativas contribuições é quanto à afirmação da garantia dos direitos à informação. O artigo 12 fala da autoridade civil em tutelar a verdadeira e justa liberdade de informação. É uma justificação da censura oficial do Estado com o fim de resguardar a juventude do que é nocivo à sua idade. O decreto oficializa o Dia Mundial da Comunicação.

            Por fim, se o documento tivesse sido tratado nas seções finais do Concílio, certamente que estaria embebido com maior vigor das ideias da inserção da Igreja no mundo hodierno e das ideias de libertação religiosa.

 

            Communio et Progressio - para além do Concílio

           Promulgada pelo Papa Paulo VI, em 1971, esta instrução representa o mais avançado documento da Igreja em relação à comunicação.

            É uma resposta à Inter Mirifica e está permeada do espírito de renovação do Vaticano II e é incisiva ao afirmar que os meios de comunicação devem ser usados na ação pastoral. Aponta os meios de comunicação como fatores do progresso humano.

            A Communio et Progressio avançou em relação a Inter Mirifica na abordagem mais detalhada dos meios de comunicação e na inovação de sues conceitos. Contudo, não conseguiu abordar o tema enfocando a comunicação como um todo e atendo-se somente numa proposta ética muito idealista, contradizendo o Vaticano II e a si mesma quando considera dever da Igreja saber da reação dos homens contemporâneos, católicos ou não, frente aos atuais acontecimentos e correntes de pensamento.

 

Capítulo III - “A Igreja Católica e a comunicação na América Latina” 

            A Igreja e a comunicação desde as origens

            Antes do período de modernização, no pós Segunda Guerra Mundial, as relações de comunicação na Igreja da América Latina baseava-se no modelo ibérico e a comunicação religiosa era mantida dentro do ciclo de “celebrações” entre as famílias e as comunidades rurais. Com o advento da modernização, depois de 1822 mais ou menos, teve-se o advento da “urbanização” e “secularização” e as classes média e alta se secularizaram e se afastaram do contato com a Igreja. Por volta de 1940 o modelo de comunicação da Igreja começou a mudar, voltando-se àquele que ainda mantinham uma fé mais robusta: os lavradores e os trabalhadores urbanos. Neste período a militância religiosa leiga iniciou sua ascensão, não só para suprir a falta de padres, mas também a ausência dos serviços governamentais junto às camadas mais pobres da sociedade.

 

            Rádio Educativa

            Foi um modo de atingir a população mais carente dentro dos moldes da comunicação das “escolas radiofônicas”, que tem na Rádio Sutatenza, da Acción Cultural Popular do Pe. José Joaquim Salcedo, o modelo pioneiro de educação via rádio. O modelo foi difundido em muitos lugares da América Latina, sendo posteriormente descentralizado, adaptado e modificado segundo as diferenças regionais etc.

 

            MEB - experiência com escolas radiofônicas

            A partir da iniciativa de D. Eugênio Sales, um novo modelo de escola radiofônica, inspirado na Rádio Sutatenza Colombiana, se propagou rapidamente por todo Norte, Nordeste e norte de Minas Gerais, alcançando já em 1966 mais de 400.00 estudantes. Os programas dessas escolas radiofônicas visavam a alfabetização e a modificação social de conscientização. Era organizada e administrada por leigos e supervisionada por um conselho de Bispos. Contudo, sem contar com o apoio total dos bispos brasileiros, em 1964 o governador Carlos Lacerda, de Guanabara (RJ), mandou confiscar algumas cópias de um impresso do MEB (Movimento de Educação de Base) acusando-o de ser um texto comunista e de incitar as lutas das classes sociais. O MEB resistiu ao golpe militar de 64 e ainda hoje vem desenvolvendo seu papel conscientizador segundo os princípios do Concílio Vaticano II.

 

            Medellín e Puebla

            A Igreja na América Latina, desde a fundação da Conferência Episcopal Latino-americana (CELAM) 1955, reconheceu a utilidade dos meios de comunicação para a evangelização, mesmo tendo se voltado posteriormente à “promoção” da doutrina católica. A partir de então vários conselhos, departamentos e organizações foram surgindo e se encarregando de cuidar mais especificamente do assunto comunicação, encorajando a implantação das comunicações populares e grupais, acentuando a necessidade de desenvolver um modelo democrático e participativo. No contexto latino-americana, segundo Valerio Fuenzalida, desenvolveram-se quatro modelos de prática pastoral: o estabelecimento de organização da mídia; tornar a Igreja presente na mídia; usar dos meios de comunicação de grupo; e as alternativas da NOMIC (Nova Ordem Mundial de Informação e Comunicação).

 

            Comunicação social e mudanças (1960 - 1969) - Meios de comunicação e desenvolvimento

            A Igreja não América Latina vinha afirmando seu papel em relação à comunicação mais voltada, sob a influência do contexto de mudança social, política, cultural, econômica e a sua relação com a teologia da libertação, para os menos favorecidos. Com a encíclica Populorum Progressio (1967) de Paulo VI, ficou mais acentuada a necessidade de “desenvolvimento integral”, a melhoria da condições de vida dos mais pobres e a superação da pobreza para o crescimento do saber de da cultura com o s demais povos.

            A teologia da libertação e a teoria da modernização influenciaram também os documentos publicados entre 1966 1968. Sobretudo em Medellín (1968) esta influência foi mais sentida pelo fato de que o papel dos “comunicadores” e o uso dos meios de comunicação para a evangelização ficou em segundo plano cedendo lugar aos debates sobre a pobreza, marginalização e subdesenvolvimento na América Latina. A postura de Medellín quanto aos meios de comunicação ainda é ingênua, carecendo de uma abordagem mais profunda sobre o contexto sócio- cultural latino-americano.

 

            Comunicação social e libertação (1970 - 1974) - O significado dos “minimeios”

            A onda da “modernização” dos anos 70 foi questionada pela insuficiência de seus projetos da “Aliança para o Progresso”. Deste questionamento surgem as novas posturas críticas sobre as desigualdades sociais na América Latina, entre elas a teologia da libertação, com uma proposta essencialmente libertadora dos modos imperialistas das relações vigentes. Todo este movimento repercutiu não só na crítica aos sistemas exploradores políticos, mas a nível cultural, contribuindo para o desenvolvimento de uma abordagem acadêmica voltada especialmente para a América Latina, repercutindo também sobre o discurso eclesiástico sobre a comunicação. Sobretudo com o documento de Melgar (1970) a posição enganosamente otimista dos ambientes eclesiásticos é posta a descoberto, denunciando a falta de conhecimento sobre os meios de comunicação por parte da hierarquia. Em contrapartida, em 1974, o documento “Perspectivas da Comunicação Social”, desqualifica os meios de comunicação como sendo bons auxiliares à evangelização dando prioridade aos “minimeios”.

 

            Comunicação social e novas situações (1975 - 1979) - as perspectivas de Puebla

            Juntamente com as novas tendências do contexto sociocultural da América Latina entre 1975 e 1979, em termos de comunicação, procurou-se aprofundar mais o pensamento da Igreja latino-americana sobre a comunicação. O documento “Evangelização e a Comunicação Social na América Latina” ao mesmo tempo que reconhece a importância dos meios de comunicação para alfabetização e conscientização denuncia com vigor o consumismo, a manipulação e o abuso dos que usam e transforma a mídia em instrumento de poder e opressão.

            O documento de Puebla (1979) tenta aplicar ao contexto latino-americano a exortação apostólica Evangelii Nuntiandi, abordando a pobreza, reafirmando a opção de Medellín e hipotecando a preferência com e pelos pobres. Para responder a esta opção o documento ainda orienta que é necessário utilizar de uma linguagem comum própria do dia-a-dia das mulheres e dos homens de hoje.

 

            Comunicação social: desafios de década de 80

            Na tentativa de pôr em prática as recomendações de Puebla, a Igreja latino-americana, através do DECOS/CELAM criou o SIAL (Serviço Informativo da América Latina) com o objetivo de contribuir para a inter-relação crescente entre CELAM e as Conferências Episcopais e apresentar uma imagem real da Igreja e sua mensagem ao povo em geral e dar esclarecimentos sobre sua posição, quando exigido.

 

            Comunicação grupal

            Os documentos de Medellín e Puebla reforçaram a comunicação grupal fazendo dela atividade principal da Igreja na América Latina. Consiste no uso dos meios audiovisuais para alcançar os objetivos de evangelização e conscientização mútua, predominada pelo diálogo e a reflexão do grupo, tornando-se um meio poderoso na socialização das comunidades eclesiais de base, habilitando seus membros a assumir total e consciente responsabilidade de suas convicções e ação. É uma comunicação que via contra o autoritarismo tradicional de uma prática verticalista de educação e de comunicação. Sua difusão encontra largo apoio de muitas organizações da Igreja latino-americana.

 

            Comunicação popular - a comunicação do povo

            Este tipo de comunicação refere-se à “comunicação do povo” na América Latina e representa uma importante dimensão da Igreja Católica em matéria de comunicação. Surgiu de grupos de camponeses ou trabalhadores discutindo entre ou com outros grupos os seus problemas.

            É uma maneira nova de o povo produzir a seu próprio material comunicativo a partir da própria experiência, realidade e condições socioeconômicas. É, sobretudo, expressão maior de uma comunidade amadurecida, comprometida e mais consciente de que as suas ideias podem ser produzidas por vários meios da mídia localmente.

            A prática desta comunicação popular é fruto do desejo dos documentos Medellín e Puebla contribuindo para uma comunicação mais horizontal e democrático-participativa.

 

Relação dos capítulos I e III com o módulo de “história da comunicação” 

            Podemos estabelecer uma rápida relação entre o conteúdo dos capítulos sintetizados e o módulo de “História da Comunicação” no tocante à evolução que o uso dos meios de comunicação teve na vida hodierna do homem.

            Desde a origem da escrita, das invenções radiofônicas, telegráficas, televisivas etc., até às modernas tecnologias multimídia de nossos dias, o espanto do homem diante da possibilidade, da potencialidade e da capacidade de comunicar-se esteve, até agora, encerrado num processo gradativo e ligeiro de estreitamento de fronteiras, de revelação de conhecimentos e possibilidades novas, enfim, num processo de redefinição dos limites de possibilidade de comunicar-se que são peculiares do homem. Este progresso pode ser sentido também não só a nível teórico, mas na realidade cotidiana das massas, dos grupos, enfim, de cada homem e de cada mulher.

            Desde a abordagem do modo de comunicação da Igreja primitiva, a Inquisição, o Vaticano II, Medellín, Puebla, até a NOMIC, podemos perceber também o gradativo avanço que a Igreja fez quanto à sua maneira de conceber e trabalhar com o assunto e os meios de comunicação, bem como o avanço que fizeram os homens, desde os primeiros cristãos até às comunidades empenhadas na comunicação popular.

            O contato com a comunicação abriu novos horizontes para o homem no seu relacionamento interpessoal, internacional até ao fenômeno que presenciamos hoje dos meios globalizantes de comunicação. A Igreja, na pessoa de seus pastores e fiéis, muito se impressionou também com o advento dessa nova tecnologia e, depois de superar uma visão pessimista do fenômeno, partiu para uma postura mais otimista tanto na sua utilização evangelizadora quanto no empreendimento de aprender a lidar, sem a impressão de “encantamento”, com os conceitos novos e com o aperfeiçoar-se nas técnicas.

            Penso que esse processo gradativo de evolução, tanto no plano teorético-conceitual quanto no plano da práxis dos meios de comunicação, tende a se estender juntamente com os demais empreendimentos do homem. E mais, antes de nos interrogarmos a que fim estes meios conduzem o homem, se têm a pretensão de levar o homem a algum lugar, devemos nos interrogar e apreender a que lugar estes meios já conduziram o homem, se é que o homem se pôs a caminho da comunicação.

 

Conclusão crítica sobre os dois capítulos 

            Marcadamente, estes dois capítulos deixaram bem claro qual tem sido o envolvimento da Igreja na dimensão da comunicação social.

            É notório o profundo esforço que a Igreja fez, em seus representantes hierárquicos e fiéis, para aproximar-se de um diálogo sempre mais sereno com os meios de comunicação e que até hoje está ainda procurando manter este mesmo dinamismo.

            Como outrora, também hoje é entristecedor saber do pouco caso quanto ao uso, aprendizado e conhecimento real dos meios de comunicação, e, mesmo do fenômeno em si, por parte de alguns seguimentos da Igreja. Esta observação, presente nestes capítulos, não quer “endeusar” os meios de comunicação como únicos e mais eficazes instrumentos de evangelização, pelo contrário, os meios de comunicação aqui são apresentados de forma despretensiosa, sem, contudo, deixar de elucidar o benefício que possa advir à evangelização no bom uso deste meio.

          Em nosso dias a comunicação assumiu um papel muito importante, sobretudo quanto à sofisticação tecnológica e os inúmeros recursos da multimídia. Estes recursos, e mesmo o fenômeno da comunicação em si, tiveram um duplo efeito em nossa sociedade: ao apresentar-nos como meio eficaz de possibilidade de estreitamento de fronteiras e de comunicação de ideias, a impressão que temos, acompanhando toda a trajetória deste meio desde a Igreja primitiva até Puebla, etc., é de que estes meios se mostraram susceptíveis de dois caminhos: ou a propciação de uma comunicação mais vertical político-propagandista, controlado pelos interesses das grandes elites empresariais etc., ou a propciação de uma comunicação mais horizontal e participativa, visada pela Igreja, entre outras entidades, que, mesmo inebriada pelo “encantamento diante do novo”, começou a dar passos, ainda que “paulatinamente cautelosos”, em direção da concretização deste projeto.

            Embora pareça-nos ser a realidade bem assim deste modo, gostaria de levantar uma pequena questão: o fato de os meios de comunicação apresentarem esta eficácia de possibilidade de estreitamento de fronteiras, deste as físicas às metafísicas, entre os homens e da possibilidade de utilizar-se desses meios tendo em vista tanto fins usurpadores como fins que visem a promoção humana e o bem comum, podem fazer com que a essência destes meios se encerrem pura e simplesmente neste dualismo?

            Penso que não, pois conquanto segue a essência de transmitir, informar, tornar comum, a comunicação não pode se ver encerrada neste dualismo. Cabe ao comunicador, por excelência, procurar plenificar o ato de comunicar em conformidade com aquilo que requisita o sentido verdadeiro e pleno da comunicação: dar sua contribuição na concretização do projeto de tornar o homem cada vez mais HOMEM; e este projeto não coaduna com quaisquer formas de escravidão e alienação, mas sim com a libertação e esclarecimento conscientizador do homem.

 

Referências 

PUNTEL, J. T. A Igreja Católica e a comunicação na América Latina. In: PUNTEL, J. T. A Igreja e a democratização da comunicação. São Paulo: Paulinas, 1994. Cap. III, p. 101-134.

PUNTEL, J. T. A relação entre a Igreja Católica e as tecnologias da comunicação. In: PUNTEL, J. T. A Igreja e a democratização da comunicação. São Paulo: Paulinas, 1994. Cap. I, p. 29-70.