DRUCKER |
Área: sociologia das organizações; |
Tema(s): organizações; indivíduo e realização; antropologia; |
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DRUCKER,
Peter F. Um era de descontinuidade:
orientações para uma sociedade em mudança. 3. ed. Tradução de J. R. Brandão
Azevedo. Rio de janeiro: Zahar, 1976, p. 291-294. “Como pode o indivíduo
sobreviver? - A organização como oportunidade para o indivíduo” |
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A
organização como oportunidade para o indivíduo Até este ponto, estivemos examinando o que os alemães
costumavam denominar a Rechtsstaat: uma sociedade política na qual o
indivíduo esteja protegido contra o abuso do poder por parte da autoridade.
Estivemos examinando a possibilidade de oferecer ao indivíduo a garantia de
que ele não será aniquilado pela organização, um “parque nacional” exterior a
ela, por assim dizer, em que ele não será molestado em seu “habitat natural”.
Mas essa garantia contra o abuso do poder não é o
suficiente para uma sociedade livre. Uma sociedade livre se assenta na liberdade
de tomar decisões responsáveis. A
organização moderna liberta o indivíduo do ambiente estreito e rigidamente
restrito da tribo, da aldeia e da pequena cidade. É a organização moderna
que está criando as oportunidades para que as pessoas educadas ponham em
prática seus conhecimentos e sejam recompensadas por isso - e muito bem recompensadas. Mas esses benefícios impõem ao indivíduo o
peso da decisão. Impõem-lhe a responsabilidade pelo que ele quer ser e
por seus desejos de progresso. |
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Também lhe impõem responsabilidade pelo que deve ser e
tornar-se a organização. O que o indivíduo deve, então, exigir da
organização? E o que ele próprio terá de fazer a fim de conseguir que seus
objetivos sejam realizados pela organização? Teremos de aprender a exigir que
a organização ofereça status e função ao indivíduo. * Mas teremos de
exigir de nós mesmos que aprendamos a utilizar a organização como uma
oportunidade para nossas próprias conquistas e realizações. Os jovens têm razão quando protestam contra a tendência
que as organizações manifestam de considerar um indivíduo como um
instrumento. Mas não têm razão quando as culpam por isso. Nunca indagaram a
si próprios: “Como posso conseguir que meus fins e minhas necessidades
sejam satisfeitos por esta ou aquela organização?” “Como posso conseguir que
ela me faça agir, realizar, contribuir?”. Compreende-se que os jovens se rebelem contra o fato
de serem considerados como “insumos” pelo computador. Mas as demonstrações
engenhosas em que eles se fantasiam de cartões perfurados e marcham com o
lema: “Não dobre, não rasgue, não enrole” não vêm ao caso. É para isso que os
cartões existem. A questão é: “Como podemos usar o computador e seus cartões
como meios para os fins dos indivíduos?” Para isso é preciso que se entenda
um pouco mais o computador - se bem que não muito mais do que o fato de que é
sempre possível desligar a tomada e interromper seu funcionamento (algo que
os mitos ricos em imaginação, relativos à subida dos computadores ao poder
no mundo inteiro, tendem a desconsiderar). Percebe-se então imediatamente que
o computador, para os que entendem alguma coisa sobre seu funcionamento, é a
emancipação do indivíduo. O objetivo do computador é permitir-nos não perder
tempo com “controles”, mas empregá-lo em atividades que demandam percepção,
imaginação, relações humanas e criatividade - atividades em que os jovens
rebeldes declaram acreditar. Este é apenas um exemplo. A organização moderna exige
que o indivíduo aprenda algo que ele nunca foi capaz de fazer * Sobre isto veja meu livro The New Society (William Heinemann Ltd., Londres, 1951; Harper
& Row, Nova York, 1950). |
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até agora: usar a organização
inteligentemente, objetivando a certos fins, deliberada mente e de modo
responsável. Se ele se esquivar deste dever e das decisões a ele relacionadas, a
organização certamente se tornará o senhor. Se o indivíduo aceitar esta
responsabilidade, será livre e exercerá controle. As próprias organizações só percebem
obscuramente este fato. No entanto, atualmente discutimos cada vez mais
acerca da organização “livre” como sendo a única adequada ao trabalho baseado
no conhecimento - na empresa, bem como nas forças armadas, na universidade e
no serviço público. Trata-se de uma organização em que a disciplina fica por
conta do indivíduo. O controle não é exercido pela hierarquia, mas pela tarefa.
Para os que acreditam que o verdadeiro amor consiste em ser promíscuo (como
os muito jovens sempre têm estado inclinados a acreditar), trata-se
ainda, obviamente, de uma “restrição”. Entretanto, na verdade reflete
responsabilidade. Fazer da sociedade de organizações uma
sociedade livre requer a aceitação da responsabilidade pelo indivíduo,
acima de tudo a aceitação da responsabilidade pela contribuição - para si
mesmo e para a organização. Isso é assustador, e não só para os jovens. Mas não é
particularmente novo. Sempre soubemos que a liberdade implica
responsabilidade, e não licenciosidade. Os jovens da sociedade de
organizações precisam ser informados sistematicamente sobre como fazer que a organização
sirva aos objetivos que eles próprios estabeleceram como seus, a seus
próprios valores e aspirações. Terão de aprender organização da mesma forma que seus
antepassados aprenderam o cultivo dos campos. É característica de uma pessoa madura
a pergunta: “O que desejo da vida” - e a consciência de que só se colhe o que se
semeia. Amanhã, será característica de uma pessoa livre a pergunta: “O que
quero das organizações?” - e a consciência de que só conseguirá aquilo para o
que se esforçou. *** Para que consigamos que nossa sociedade funcione é
preciso que saibamos administrar, i. e.,
como conseguir desempenho organizacional
através do trabalho do indivíduo. A fim de
que nossa sociedade possa ser livre será necessário, ainda, que o indivíduo
aprenda a administrar a organização - como fazer |
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que seus objetivos, seus valores, seu
desejo de realização sejam satisfeitos pela organização e por seu
funcionamento. Uma sociedade precisa ser capaz de
permitir que o indivíduo opte por abandoná-la· e “se dedicar à vida privada”. Mas
isso não é liberdade. É indiferença. Numa sociedade livre, o cidadão assume a
responsabilidade, antes de mais nada, por sua sociedade e por suas
instituições. Na sociedade de organizações, a sociedade pluralista de nossa
época, essa. tarefa difere da do século XVIII. A tradição política do século XVIII, a
tradição de Locke, está claramente chegando ao fim. Mas a sociedade de
organizações pode oferecer maiores oportunidades de liberdade responsável,
plena de sentido e efetiva do que as sociedades passadas. Se elas serão
concretizadas ou não depende do que nós
fizermos e não do que "elas", as instituições, fizerem. Defrontamo-nos com um período de considerações novas e
bastante complicadas sobre a estrutura política da sociedade e sobre a
posição e o papel do indivíduo nela. O que temos até agora é um novo
pluralismo, uma nova sociedade de organizações. O que ainda nos falta é um
novo individualismo, uma nova
responsabilidade. |
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