segunda-feira, 15 de abril de 2024

DRUCKER, Peter F. Um era de descontinuidade - A organização como oportunidade para o indivíduo

 

DRUCKER

Área: sociologia das organizações;

Tema(s): organizações; indivíduo e realização; antropologia;

 

DRUCKER, Peter F. Um era de descontinuidade: orientações para uma sociedade em mudança. 3. ed. Tradução de J. R. Brandão Azevedo. Rio de janeiro: Zahar, 1976, p. 291-294. “Como pode o indivíduo sobreviver? - A organização como oportunidade para o indivíduo”

 

 

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A organização como oportunidade para o indivíduo

 

Até este ponto, estivemos examinando o que os alemães costumavam denominar a Rechtsstaat: uma sociedade política na qual o indivíduo esteja protegido contra o abuso do poder por parte da autoridade. Estivemos examinando a possibilidade de oferecer ao indivíduo a garantia de que ele não será aniquilado pela organização, um “parque nacional” exterior a ela, por assim dizer, em que ele não será molestado em seu “habitat natural”.

 

Mas essa garantia contra o abuso do poder não é o suficien­te para uma sociedade livre. Uma sociedade livre se assenta na liberdade de tomar decisões responsáveis.

 

A organização moderna liberta o indivíduo do ambiente es­treito e rigidamente restrito da tribo, da aldeia e da pequena ci­dade. É a organização moderna que está criando as oportuni­dades para que as pessoas educadas ponham em prática seus co­nhecimentos e sejam recompensadas por isso - e muito bem re­compensadas. Mas esses benefícios impõem ao indivíduo o peso da decisão. Impõem-lhe a responsabilidade pelo que ele quer ser e por seus desejos de progresso.

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Também lhe impõem responsabilidade pelo que deve ser e tornar-se a organização. O que o indivíduo deve, então, exigir da organização? E o que ele próprio terá de fazer a fim de conseguir que seus objetivos sejam realizados pela organização? Teremos de aprender a exigir que a organização ofereça status e função ao indivíduo. * Mas teremos de exigir de nós mesmos que aprendamos a utilizar a organização como uma oportunida­de para nossas próprias conquistas e realizações.

 

Os jovens têm razão quando protestam contra a tendência que as organizações manifestam de considerar um indivíduo co­mo um instrumento. Mas não têm razão quando as culpam por isso. Nunca indagaram a si próprios: “Como posso conseguir que meus fins e minhas necessidades sejam satisfeitos por esta ou aquela organização?” “Como posso conseguir que ela me faça agir, realizar, contribuir?”.

 

Compreende-se que os jovens se rebelem contra o fa­to de serem considerados como “insumos” pelo computa­dor. Mas as demonstrações engenhosas em que eles se fan­tasiam de cartões perfurados e marcham com o lema: “Não dobre, não rasgue, não enrole” não vêm ao caso. É para isso que os cartões existem. A questão é: “Como pode­mos usar o computador e seus cartões como meios para os fins dos indivíduos?” Para isso é preciso que se entenda um pouco mais o computador - se bem que não muito mais do que o fato de que é sempre possível desligar a tomada e interromper seu funcionamento (algo que os mi­tos ricos em imaginação, relativos à subida dos computa­dores ao poder no mundo inteiro, tendem a desconsiderar). Percebe-se então imediatamente que o computador, para os que entendem alguma coisa sobre seu funciona­mento, é a emancipação do indivíduo. O objetivo do com­putador é permitir-nos não perder tempo com “controles”, mas empregá-lo em atividades que demandam percepção, imaginação, relações humanas e criatividade - atividades em que os jovens rebeldes declaram acreditar.

 

Este é apenas um exemplo. A organização moderna exige que o indivíduo aprenda algo que ele nunca foi capaz de fazer

 

* Sobre isto veja meu livro The New Society (William Heinemann Ltd., Londres, 1951; Harper & Row, Nova York, 1950).

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até agora: usar a organização inteligentemente, objetivando a certos fins, deliberada mente e de modo responsável. Se ele se esquivar deste dever e das decisões a ele relacionadas, a organização certamente se tornará o senhor. Se o indivíduo aceitar esta responsabilidade, será livre e exercerá controle.

 

As próprias organizações só percebem obscuramente este fato. No entanto, atualmente discutimos cada vez mais acerca da organização “livre” como sendo a única adequada ao trabalho baseado no conhecimento - na empresa, bem como nas forças armadas, na universidade e no serviço público. Trata-se de uma organização em que a disciplina fica por conta do indivíduo. O controle não é exercido pela hierarquia, mas pela tarefa. Para os que acreditam que o verdadeiro amor consiste em ser promíscuo (como os muito jovens sempre têm estado inclinados a acreditar), trata-se ainda, obviamente, de uma “restrição”. Entretan­to, na verdade reflete responsabilidade.

 

Fazer da sociedade de organizações uma sociedade livre re­quer a aceitação da responsabilidade pelo indivíduo, acima de tu­do a aceitação da responsabilidade pela contribuição - para si mesmo e para a organização. Isso é assustador, e não só para os jovens. Mas não é particularmente novo. Sempre soubemos que a liberdade implica responsabilidade, e não licencio­sidade.

 

Os jovens da sociedade de organizações precisam ser infor­mados sistematicamente sobre como fazer que a organiza­ção sirva aos objetivos que eles próprios estabeleceram como seus, a seus próprios valores e aspirações. Terão de aprender or­ganização da mesma forma que seus antepassados aprenderam o cultivo dos campos. É característica de uma pessoa madura a pergunta: “O que desejo da vida” - e a consciência de que só se colhe o que se semeia. Amanhã, será característica de uma pessoa livre a pergunta: “O que quero das organizações?” - e a consciência de que só conseguirá aquilo para o que se esforçou.

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Para que consigamos que nossa sociedade funcione é preciso que saibamos administrar, i. e., como conseguir desempenho organizacional através do trabalho do indivíduo. A fim de que nossa sociedade possa ser livre será necessário, ainda, que o in­divíduo aprenda a administrar a organização - como fazer

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que seus objetivos, seus valores, seu desejo de realização sejam satisfeitos pela organização e por seu funcionamento.

 

Uma sociedade precisa ser capaz de permitir que o indiví­duo opte por abandoná-la· e “se dedicar à vida privada”. Mas isso não é liberdade. É indiferença. Numa sociedade livre, o cidadão assume a responsabilidade, antes de mais nada, por sua sociedade e por suas instituições. Na sociedade de organizações, a sociedade pluralista de nossa época, essa. tarefa difere da do século XVIII. A tradição política do século XVIII, a tradição de Locke, está claramente chegando ao fim. Mas a sociedade de organizações pode oferecer maiores oportunidades de liberda­de responsável, plena de sentido e efetiva do que as sociedades passadas. Se elas serão concretizadas ou não depende do que nós fizermos e não do que "elas", as instituições, fizerem.

 

Defrontamo-nos com um período de considerações novas e bastante complicadas sobre a estrutura política da sociedade e sobre a posição e o papel do indivíduo nela. O que temos até agora é um novo pluralismo, uma nova sociedade de organiza­ções. O que ainda nos falta é um novo individualismo, uma no­va responsabilidade.

 

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