Orientações: Use caneta azul ou preta para escrever seu texto.
Considere a norma popular urbana, atentando-se para as devidas concessões à
caracterização do gênero e personagens, quando houver. Coloque um título em seu
texto, se o gênero permitir. Respeite as margens laterais. Para rasura, proceda
da seguinte forma: rasura. Seu texto deve ter entre 25 e 30 linhas.
Proposta: com base no texto apresentado a seguir, escreva um
texto dissertativo sobre o seguinte tema: as redes sociais e o desafio de
sermos humanos
Injustiça com as próprias mãos
Por Túlio Vianna em 19/05/2015 na edição 851
Reproduzido do suplemento “Aliás” do Estado de S.Paulo,
17/5/2015
Outro inocente sofreu execração pública na internet
essa semana. Na Austrália, um homem estava tirando uma selfie ao lado de um
pôster do Darth Vader. Algumas crianças se aproximaram e ele pediu que elas
aguardassem um segundo para que ele concluísse a foto. A mãe viu a cena,
imaginou que ele estivesse fotografando seus filhos e não teve dúvidas:
fotografou o sujeito e postou no Facebook, afirmando que se tratava de um
pedófilo. Mais de 20 mil pessoas compartilharam a postagem e o homem teve que
ir à polícia esclarecer a situação e tentar salvar o que sobrou de sua
reputação. Mais tarde, percebendo o grave equívoco, a mulher se desculpou
publicamente e logo em seguida passou a ser ela própria vítima da fúria dos
execradores nas redes sociais.
A maioria das pessoas não pensa muito antes de
compartilhar gravíssimas acusações como essa. A emoção despertada pela
indignação com a notícia e o pânico moral de que aquele indivíduo possa
produzir novas vítimas são capazes de desligar qualquer resquício de racionalidade
e senso crítico da maior parte das pessoas. E, assim, denúncias falsas, ainda
que bem-intencionadas, tornam-se virais e espalham-se pela internet em uma
velocidade exponencial.
Não bastasse essas reações espontâneas e emocionais de
quem compartilha graves denúncias em um ímpeto de indignação, está se tornando
moda na internet os “escrachos” orquestrados por ativistas políticos desejosos
de fazer “justiça” a qualquer preço.
No início deste mês, militantes feministas acusaram um
segurança de uma boate de São Paulo de ter estuprado uma frequentadora. As
acusações geraram enorme repercussão na internet. Posteriormente, a suposta
vítima esclareceu na delegacia que não houve estupro e que o contato dela com o
segurança havia sido consensual. Tarde demais. A vida sexual da moça já havia
sido exposta, o segurança já havia ganhado o rótulo de estuprador e a reputação
da boate já havia se desgastado. Tudo em nome da “justiça”.
O problema é que ninguém acha que faz injustiça com as
próprias mãos. Todo mundo tem sempre a plena convicção de que está fazendo
justiça. Nenhuma declaração de guerra foi feita em nome do mal; todo general
que se preze alega estar lutando em nome do bem. Nenhuma tortura, seja da
inquisição ou das polícias de nossos dias, foi praticada em nome do mal; todo
verdugo afirma que age em nome do bem. Nenhum linchamento ou esculacho é praticado
por malfeitores; todo justiceiro está convicto de que é um homem de bem. E é
por isso que o inferno está cheio de pessoas bem-intencionadas.
Boas intenções nem sempre trazem bons resultados.
Foram necessários séculos de civilização para se perceber que não é razoável
sair por aí queimando pessoas simplesmente por terem sido acusadas de bruxaria
pelo vizinho. O Direito ocidental consagrou princípios como legalidade,
contraditório e ampla defesa não para “defender bandidos”, como muitos insistem
em dizer, mas para defender acusados da fúria dos bem-intencionados.
A cultura da justiça pelas próprias mãos baseia-se na
premissa de que os fins justificam os meios. Dessa forma, quem age em nome do
bem, de Deus, de minorias oprimidas ou de qualquer causa que considere relevante
se julga legitimado para passar por cima da própria lei. E é por isso que essa
é uma ideologia inevitavelmente antidemocrática. Em um Estado de Democrático de
Direito, quando a lei é falha, deve-se procurar modificá-la no parlamento, e
não simplesmente violá-la.
É bem verdade que o caminho democrático para a realização
da justiça é muito mais longo e árduo que a solução simplista da justiça com o
próprio teclado. É muito mais fácil escrachar supostos racistas pela internet
do que acionar o Ministério Público para que ele seja processado e julgado pelo
crime de racismo. É muito mais fácil escrachar supostos homofóbicos na internet
do que lutar pela aprovação de uma lei que criminalize a homofobia. E é muito
mais fácil escrachar supostos estupradores pela internet do que dar os meios
para que as vítimas de estupro processem criminalmente seus agressores.
A democracia pode até não ser o sistema mais simples e
rápido de resolução de conflitos, mas a adoção da justiça pelas próprias mãos
deixa a porta aberta ao totalitarismo. Patrulhas morais da internet não são uma
alternativa democrática às deficiências dos órgãos públicos, pois estão fadadas
a cometer os mesmos excessos autoritários de qualquer milícia.
A cultura do escracho digital é um indício frustrante
de decadência do ativismo político na internet, que parece ter deixado de ser
uma ágora de debates e de pressão pela aprovação de novas leis no Congresso Nacional
para se converter em um pelourinho para execrações públicas.
***
Túlio Vianna é professor da faculdade de Direito da
UFMG, autor de Um Outro Direito (Lumen Juris)
Adaptado
de:
<http://observatoriodaimprensa.com.br/e-noticias/injustica-com-as-proprias-maos/>.
Acesso em: 5 dez. 2015.